segunda-feira, março 19, 2012

Dia do gajo porreiro

Há pessoas que conhecemos há anos e que se fartam de nos surpreender, pela negativa. Outras há que, apesar do pouco que sabemos delas, temos a sensação que somos como almas gémeas.
Infelizmente tenho vários casos da primeira espécie descrita. São casos perdidos, de gente que julgava com emenda, mas que nunca me deixaram a expectativa da surpresa. Das almas gémeas, tenho a sensação que são as primeiras antes de as conhecermos.
Aqui há uns anos num primeiro dia de trabalho numa determinada empresa, um colega, ao contrário do normal, que seria dar-me as boas vindas e mostrar-me o bom, que logo o mal se encarregaria de se revelar, optou por me alertar para os perigos. Não que o trabalho fosse de risco, nada disso. Tinha era colegas de trabalho. Disse-me: "Cuidado, que o Mundo está cheio de filhos da puta. No início todos sorriem para ti, dão-te palmadinhas nas costas e sorrisos de orelha a orelha, mas quando chega a hora da verdade estão-se a cagar para os princípios ou para o que quer que seja que te tenham dito. Gajo porreiro foi o teu velhote, que te deu de comer e sustentou-te até poderes andar por ti. O resto são abutres à espera que te distraias para te comerem a carne."
Confirmo. Na hora da verdade, a grande maioria olha para o seu umbigo. E burro sou eu que ainda acredito que há gente que não é assim.
No dia do Pai, esta é mais uma homenagem ao que ele me ensinou e ensina. A acreditar que há sempre alguém que, como nós, tem prazer em ser altruísta neste mundo de egocêntricos e invejosos.
Espero que continuem a aparecer as excepções que referi, e que, apesar de tudo, ainda existem.

domingo, março 04, 2012

Conselho de amigo: Aprender a ouvir o corpo!

 

Ontem, enquanto me decidia pelo trajecto a fazer, e já com as sapatilhas calçadas, ouch! Uma dor no fundo das costas, ligeiramente acima do cóccix, impedia-me de me mover sem dor. Melhor, quase me impedia de me mexer. Estava refém de um grupo muscular, que ao que parece, segundo me diz o Paulo Pimentel, o homem da arte de tratar e recuperar lesões, às vezes, com um espasmo contraem e provocam dor e sensação de perda de força na locomoção, ou mesmo impedimento de o fazer. Enfim, não podia correr. E quase não conseguia andar.

Dia inteiro com repetições de colocação de gelo e acima de tudo, descanso. À noite, uma chamada para o Paulo só para confirmar se a terapia era a correcta, e se correr hoje seria ou não uma boa ideia. Sem dor, confirmava que o gelo tinha resolvido o problema, mas o Paulo achava melhor não correr. “Nem pensar”, foi a expressão. Dei-lhe razão e pensei que, finalmente, estava na hora de descansar um fim-de-semana inteiro. Já não me lembrava de estar Sábado e Domingo sem calçar as sapatilhas e sair por umas horas. Ia ser este.

Hoje, já convencido do descanso aconselhado, fiz o que faz qualquer domingueiro sedentário. Fui tomar café e ler o jornal, na esperança que o dia passasse mais rápido. Quando nos abstemos de um vício, tudo nos faz lembrar o dito. E a corrida faz-nos falta, especialmente quando não podemos correr.

Quando saio do café vejo um grupo de gente conhecida, colegas do Porto Runners, a correr contra a chuva miudinha que caía com intensidade e os fustigava directamente e de frente. Atravessei rapidamente a rua e cumprimento duas atletas que iam mais atrás. Claro que não me contive e fui logo calçar as sapatilhas. Nada de água nem isotónico, nem gel, nem impermeável. Apenas uns calções e um corta-vento e fiz-me à marginal, na esperança de que as costas não cedessem. Saí em direcção a Sul, em busca dos meus companheiros de equipa. Pensei em manter um ritmo baixo até encontrar a Marlene ou o Miguel Santos, e depois ajuda-los a regressar ao ponto de onde tinham partido. Sei o quão bem sabe encontrar uma “lebre”, alguém mais fresco que nos possa ajudar a quebrar a rotina de um treino longo, e que nos “imponha” um ritmo, que não nos deixe quebrar. Lá fui eu à procura.

8 quilómetros a Sul, já depois da Granja, decidi regressar. Não tinha visto ninguém, tinha já 45 minutos de treino e algum receio de claudicar, perder o apoio lombar e ter de regressar a passo. Tinha passado, logo no quilómetro inicial pela Fabienne, que regressava a caminhar por estar lesionada, que me dissera que o grupo ia uma hora para Sul e regressava. Ora, entre vestir e arrancar e a conversa com ela, já deviam estar de regresso. Não vi ninguém, fiz inversão de marcha, não literalmente, porque tinha feito uma incursão pelo passadiço e agora voltava para Norte pela estrada junto à linha férrea. Ao chegar à estação da Granja vejo a esposa do Geraldino que me diz que ainda não tinha passado nenhum dos atletas. Olho para trás e vejo a Marlene e o Miguel. Abastecem, comem, bebem e arrancámos. Fui com eles até ao final do treino que tinham programado, 3 horas e cerca de 35 quilómetros. É obra.

Já com a fadiga estampada no rosto e com vontade de parar, a Marlene, depois de eu comentar, “são lixadas as endorfinas”, sorriu. Com um sorriso dócil, apesar do cansaço, e revelador de satisfação por mais um passo concluído, num longo caminho que é a preparação de uma maratona. Estava a terminar o treino longo com Barcelona no horizonte, mas estava, acima de tudo, a concluir mais um enorme desafio, como revelam ser todos os treinos com tamanha exigência física.

São estes treinos que nos ensinam a ouvir e sentir o corpo. Mas são também estes treinos que nos mostram o formidável que é o corpo humano. Apesar de todos os receios, de todos os cuidados que possamos ter e que o corpo nos possa exigir, é a nossa cabeça que o comanda e que faz com que, apesar de tudo, vamos até ao infinito. O prazer de correr, dá razão à nossa insanidade de ouvir o corpo e não lhe ligar nenhum. Nascemos mesmo para correr, é um gesto tão natural como respirar, mas curiosamente são poucos os que experimentam esta sensação de prazer depois de um esforço intenso. A grande maioria é sedentária porque, como eu fiz durante anos, ouve o corpo e dá-lhe razão.

Acabei por fazer 20 km em pouco mais de 1h50. Não me dói nada.

http://connect.garmin.com/activity/154787514

É sempre desafiante ter estes diálogos com o meu corpo. Ele diz: “Não vás!”, eu vou. Ele diz-me “Para!”, eu acelero. Ele acaba por me entender quando as endorfinas libertadas no cérebro o fazem levitar e surpreendentemente ajustar ao movimento, parando a dor e promovendo o prazer.

Só posso concluir que o devo ouvir, mas não lhe posso dar sempre razão.