domingo, abril 29, 2012

Free-Running Nocturno. O Porto by night

 

Houve anos em que eu vivi o Porto noite fora. Passava as minhas noites num carrossel entre os bares da Ribeira e as discotecas da Foz e Boavista. Como o dinheiro não abundava, como atestavam as caminhadas diárias do Marquês à Ribeira, e das partilhas de táxi de e para as discotecas, fazíamos dos pés meio de transporte forçado.
Quando muito na Queima das Fitas ou no S. João, desfrutava-mos das caminhadas.
Até ter mota ou carro, era este o ritual de muitos de nós. Um fadado destino de percorrer a cidade a pé, porque os autocarros também escasseavam.

Ontem tive a oportunidade de reviver tempos idos, mas com uma vassoura às costas.

vassoura

Nascido da cabeça de amantes do Porto e do trail, que exploram ao máximo a zona histórica, Património da Humanidade, rica em ruelas, vielas, escadarias todas com acentuados declives, a confluir na lindíssima zona ribeirinha, outrora centro logístico do Norte do País, e agora transformado em passeio para os milhares que nos visitam, surgiu o Urban Trail Porto. Com a necessidade de conciliar treinos diários para provas de montanha com o facto de viverem numa cidade, o Jorge Azevedo e o Miguel Catarino, organizadores e criadores do Urban Trail, fazem, como muitos outros da zona antiga da cidade trilho de treino. Aproveitar e dar uma saltada à zona ribeirinha de Gaia, Serra do Pilar e zona das caves, é o mimo de ter a cascata são joanina como paisagem. É incrível como conseguimos fazer na nossa Cidade treinos que variam entre praia, campo, terreno plano ou acidentado, acumular desníveis superiores a 1000 metros…

Isto tudo, mas em grupo. Melhor, com uma multidão.

free-nocturno

A cidade fervilhou após as 22h, com um serpenteado de luzes usadas pelas mais de 500 pessoas que aderiram ao desafio de explorar os caminhos de granito do Porto e Gaia. Da Alfândega à Sé, subindo pelas Escadas do Barredo, passar pela Rua Escura, Viela do Anjo, Escadas dos Guindais e Codeçal, Ribeira, onde nos misturamos com turistas e boémios, com uma belíssima incursão a Gaia onde nos esperava o melhor ponto, a Serra do Pilar, para observar e fotografar (também havia um concurso de fotografia) a mais bela paisagem urbana que se pode imaginar.

porto_noite

Atravessámos as pontes do Infante e D. Luís, convivemos com autênticos craques do trail nacional, uns mais conhecidos que outros, mas todos com um espírito fantástico. E é este espírito que nos faz amar esta forma de vida. Deve haver poucas coisas onde se veja tanta humildade como na corrida, onde todos nós cedemos às fraquezas, mas fazemos das nossas poucas energias muletas dos que delas precisam. Vi gente que nunca tinha feito trail, maravilhada com a experiência, apesar do esgar de esforço com que trepavam mais um degrau.

Houve muitos que nunca tinham sequer imaginado que há uma cidade a explorar, uma cidade que é património de todos, que a todos nos acolhe e envolve numa grandiosidade de beleza cinzenta, colorida por gente que nos saudou simpaticamente, que nos incentivou e apoiou.

Outros houve, como eu, que se lembraram de tempos idos, em que, vivendo como se não houvesse amanhã, calcorreávamos toda aquela envolvente sem querer passar lá pelo meio. Agora não dispensámos. Nem a Cidade, nem tudo o que ela tem para nos dar. O Porto vivido assim tem outra intensidade, tem outra beleza. É como fazer parte de uma orquestra, onde os músicos entram nos tempos correctos, com uma intuição genuína, com uma harmonia melancólica de quem sabe que o fim chega, mas o prazer é o caminho.

Obrigado aos mentores desta corrida/caminhada nocturna pelas zona histórica da minha cidade. 
Obrigado aos que comigo partilharam a responsabilidade de não deixar ninguém para trás, Carlos Natividade e João Paulo Meixedo, dois amigos de um companheirismo inexcedível.

Obrigado a todos os que participaram, com um civismo extraordinário. 

P.S. – Este álbum de fotos do Miguel Oliveira espelha muito do que aqui tentei descrever.
http://www.facebook.com/media/set/?set=a.368806363171040.102124.126867960698216&type=1

5 comentários:

  1. Fantástica prosa, como já nos habituaste. Foi mesmo assim como relataste, faltando apenas um ou outro apisódio hilariante, mas esses ficam guardados na memória de quem os viveu. Nunca pensei que me fosse divertir tanto na cauda do pelotão.

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  2. Fantástica descrição desta magnifica noite onde o desporto, a aventura, a cultura e a amizade estiveram nos seus máximos.
    Parabéns Rui Pinho pela tua capacidade de descrever os momentos vividos de forma tão real e pela tua elegria, humor e capacidade de entre-ajuda sempre presente.

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  3. Paulo Rodrigues1:24 da tarde

    Rui
    Excelente relato! Eu que não pude participar,consegui,através do teu relato, sentir as emoções que foram vividas! Obrigado!
    Abraço

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  4. Fantástico Rui.
    Pertencer a esta "tribo" é um privilégio.
    "Vassourar" na tua companhia e na do João Meixedo, é algo de extraordinário.
    Grande abraço.

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  5. Subscrevo por inteiro tudo o que o Rui escreveu, porque tive exactamente o mesmo sentimento. Foi fantástico e "fiquei em pulgas" com vontade de repetir novamente.
    Grande abraço.
    Rui Freitas

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