segunda-feira, julho 30, 2012

Trail Santa Justa e uma justa homenagem

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Organizado pelos Amigos do Trail, que como o nome indica, é um grupo de amantes da corrida de montanha, que treinam habitualmente nas Serras de Santa Justa, Pias e Castiçal, que, em conjunto formam o maciço de Valongo, decorreu ontem nesse belo espaço verde, mesmo aqui ao lado do Porto, a primeira edição, com saída e chegada no Parque da Cidade de Valongo.
A prova, como qualquer primeira edição, teve lapsos de organização que certamente serão corrigidos, e que tiveram origem na ânsia de proporcionar aos participantes do Trail, na distância de 21 kms e da Corrida/Caminhada com 12 kms a percorrer, as emoções e sensações que habitualmente experimentamos noutras serras e trilhos do nosso Portugal. A ideia de colocar no mesmo trilho, e com a mesma dificuldade, os caminheiros, pareceu-me exageradamente arriscada, e levou ao extremo o esforço de algumas pessoas que se preparavam para uma experiência que não englobava subidas com grau de dificuldade elevado, técnico e físico.

Os primeiros 6 Kms de prova eram a rolar, o que proporcionou imediatamente uma selecção dos atletas. Com uma subida aos 360 mts em apenas 3 kms, logo se proporcionou aos atletas a oportunidade de acelerar os batimentos cardíacos, tanto pela vista do alto da serra de Pias, como pelo esforço despendido numa inclinada e dura escalada. Rapidamente abordada a descida, com muita pedra solta a solicitar destemido arrojo, segunda paragem para rápido abastecimento (num total de 4, excelente para a distância) e retorno ao estradão, que já cansava. Aqui, uma surpresa relativamente ao treino de reconhecimento uma semana antes, entrámos num bonito e curto exemplo de trilho à beira rio, onde os domingueiros, com toalhas estendidas nas frescas sombras, nos iam indicando o caminho a seguir. Novo abastecimento e nova subida. Esta, de quase 3 kms, e com um início algo técnico, com muita pedra solta, e um final com uma inclinação brutal para quem ia apenas fazer uma caminhada. É que este era também o percurso final da corrida e da caminhada. E depois da subida, uma descida em pista de downhill, bastante divertida para quem gosta de trail, mas, pareceu-me, imprópria para caminhadas.

As classificações e outras informações, podem ser consultadas aqui, no site do evento.

Enfim, um agradável Domingo, num dia de algum calor, com sol, onde o apoio dos Escuteiros dos Agrupamentos de Gandra e de Sobrado foi inexcedível, e no qual todos se divertiram e muitos puderam experimentar, alguns pela primeira vez, a diversão de uma corrida de trail.
É sempre uma alegria ver tanta gente a chegar, a música, com escolhas que variam entre José Malhoa e Ac/Dc, o burburinho antes da partida, o rever caras conhecidas das corridas e o convívio entre apaixonados de uma modalidade cada vez mais popular, e para a qual apenas precisámos de umas sapatilhas e força de vontade. O prazer vem com a regularidade. E é um prazer enorme poder partilhar experiências com tanta gente que me faz, cada vez mais admirar cada um deles.

Um cumprimento especial a um grande senhor das corridas em montanha, que me dá o privilégio de ser seu amigo. Sempre disposto a uma palavra de incentivo, sempre na disposição altruísta de ajudar, seja em treino ou em provas, e que, todos nós, tenho a certeza, almejámos imitar. Representa, quanto a mim, o espírito do trail na sua essência. É o exemplo de respeito, boa disposição, desportivismo, educação, elevação e camaradagem. Sempre com um rasgado sorriso, que a todos nos marca. Faz hoje 52 anos e corre como correm poucos de 25. Mereces esta homenagem, Carlos Natividade. Obrigado por tudo.

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segunda-feira, julho 02, 2012

Ultra Trail Serra da Freita 2012

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Prova extreme do trail nacional, ou “um filme de grande produção”, como diz o José Moutinho, em contraponto com a minha estreia, há um ano, na versão pequena desta mesma organização, e à qual o seu director chama “um pequeno trailer”. O trail, na sua essência, é aquilo que a Freita nos dá: Desafiar a natureza, lidar com os obstáculos que ela nos coloca e que nos dificultam ao máximo a progressão. Desde rios, túneis, escarpas e montes até ao bode com uma pata partida ou à vaca de grande porte com quem dividimos, momentaneamente, o trilho.
A prova é, na palavra do José Moutinho, gourmet. Gourmet, meu caro amigo, é a de 17 kms, porque gourmet é em pouca quantidade, só para provar. O que eu vi ontem na versão longa metragem é um buffet à discrição! A UTSF é o Tromba Rija do trail.

Esta é (mais) uma crónica vista de trás. Não sou, nunca fui, atleta de eleição, mas sinto-me privilegiado por poder “beber” da experiência e capacidades fantásticas dos que comigo partilham trilhos e dores. Luto muito, cerro os dentes e fixo o olhar na ponta das sapatilhas, na esperança de que, quando volte a elevar o olhar, os cumes estejam mais próximos, para poder voltar a respirar aquelas paisagens que nos envolvem e que nos fazem sentir tão, mas tão minúsculos, num Mundo onde somos invasores e em que, cada vez mais, somos factor de desequilíbrio e de destruição. São estas sensações que me fazem inscrever em cada desafio. Poder partilhar estes sentimentos e sensações com um amigo ganho nas corridas é um privilégio ainda maior.

O dia começou com chuva intensa e temperatura a rondar os 10º, condições excelentes para correr em montanha, visto que, estando a partida da prova a mais ou menos 900 mts de altitude, e como os primeiros quilómetros seriam a descer, a tendência seria de aumentar pouco mais, desde que a chuva desse tréguas, o que se veio a verificar ainda antes do início.

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Os primeiros quilómetros passaram rápido, até atingirmos os primeiros verdadeiros desafios. Fui, desde o início, com o João Meixedo, em amena cavaqueira. Decidimos não arriscar, avisados pelo Moutinho, e fomos, sensatamente, em passo calmo rumo ao Rio Paivô. Depois de uma primeira sessão de crioterapia, o primeiro inédito desta edição: Uma passagem de cerca de 300 mts por um túnel, onde deveríamos ter usado os frontais, mas a preguiça levou-nos a usar os bastões, quais bengalas de cego, e o pequeno ponto de luz no final do dito, como guias de ocasião. Chegados ao troço de rio, começamos a experimentar a tracção das sapatilhas. Entre mergulhos, travessias a nado, escorregadelas dentro e fora de água e algumas cabeçadas e caneladas nas escarpas, lá chegamos ao primeiro abastecimento, em Covelo de Paivô. Primeira surpresa. Quase uma dezena de atletas à espera de transporte para o Merujal, que me fizeram pensar serem de outra prova, não fossem os dorsais. O Rio a fazer as primeiras vítimas.
Dali aos 30 kms foi um reconfortante quadro que nos envolveu e que fez com que os quilómetros passassem sem serem notados. Entre a Serra da Freita e a de S. Macário, uma formidável e asfixiante paisagem, digna de um paraíso terrestre, com o epílogo em Drave, a bonita aldeia histórica conservada por escuteiros e onde estava o 2º abastecimento. Mais um trajecto no rio. Fomos avisados pelos elementos do abastecimento que teríamos 10 kms muito duros, mas nunca pensámos que fossem mais duros que os que ultrapassáramos antes. Mas eram. O rio, naquela zona, obrigava a muito mais passagens por escarpas que se revelavam perigosas. A certo ponto, como a progressão se tornou impossível para quem balizou o percurso, optaram por uma saída por uma escarpa, extremamente perigosa e onde encontrar pontos de apoio se revelava difícil. Dali saídos, sãos e salvos, o Meixedo saca do repasto preparado como almoço: Duas sandes de presunto que repuseram energia onde ela já faltava, e que confirmaram os dotes culinários do meu companheiro de jornada.

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Quando demos por ela, estávamos de volta ao rio. Uma pequena passagem para podermos iniciar a subida para os “3 Pinheiros”, e consequente acesso a Candal, pelo “Trilho dos Incas”. O problema nesta incursão ao rio, foi o percurso estar marcado com fitas da “Asics”, e o trilho seguinte com fitas da “EDP”, sem nenhuma transição perceptível e que nos colocou na dúvida, se o trajecto seguia pelo rio ou se seria aquele. Subiu o Meixedo alguns metros e reconheceu a envolvente, recordando-se de uma foto publicada por uma das pessoas que havia feito a limpeza dos trilhos. Esta subida era brutal. Do melhor que já vi e fiz em trail. Mais de uma hora para a fazer, na peugada do Meixedo, que levava um bom ritmo, e que parecia não terminar nunca. Aqui, e como em quase todas as provas, aprendi mais uma lição: Não adiar nunca a hora de comer. Quando apetece, o melhor é mesmo comer um gel, ou uma barra. Fui adiando, não quis parar a meio da subida, e já a menos de 2 kms de Candal, em pleno Trilho dos Incas tive que o fazer. A consequência deste erro viria depois.
Chegados ao abastecimento dos 40 kms, já recuperado da estopada que foram as duas incursões no rio, em apenas 5 kms, e aquele tão belo quanto duro trilho em plena “Garra” (termo usado pelo Moutinho para definir uma encosta onde coincidem vários trilhos), repusemos energias e repousámos as emoções. O veredicto do elemento da organização que ali se encontrava é que não nos convenceu. Estávamos fora do horário de controlo, e não podíamos prosseguir. O Meixedo mostrou a nossa indignação, tentando contrariar a vontade que tinham de nos barrar a passagem. Demos conta da nossa determinação em seguir caminho, mesmo à nossa responsabilidade, tendo o elemento da organização procedido ao check-up do material, por segurança. Entretanto iam-nos avisando que o que faltava era muito duro, que íamos fazer grande parte do trajecto de noite, que iria estar muito frio, etc. Nada dos demoveu. Fomos embora a blasfemar contra tudo, todos e principalmente contra a nossa, até então, prudência e sensatez. Mas como não estávamos preparados para desistir sem motivo de saúde, ou caso estivesse em perigo qualquer um de nós, seguimos. Na subida da Fraguinha fraquejei. Estava a pagar a má gestão da alimentação em tantas horas de prova. Tinha no “bucho” uma sandes de presunto, meia banana, dois géis e uma barra energética. Pouco, muito pouco para mais de 11 horas de prova. O Meixedo, indignado, lá ia dizendo que havia de chegar pelo pé dele, com ou sem abastecimentos (tinham-nos dito no abastecimento dos 40 que não esperariam por nós em nenhum dos seguintes). Eu, quase sem falar ia sorrindo com ar de resignação. Desse por onde desse, caso continuasse assim, a fraquejar, e por muito que o quisesse acompanhar, não sabia então se teria condições para o fazer.
Já aos 50 kms de prova (no GPS do Meixedo, porque o meu “morrera” aos 46), em Manhouce, nem sinais de qualquer abastecimento. Eu, já recomposto da quebra, revigorado pelo sorriso do Meixedo por não ver quem lhe tirasse a companhia, estava determinado a ir com ele até ao Merujal. Havíamos de ali chegar, triunfantes, no meio do nevoeiro. Sentados nuns bancos de pedra junto a uma fonte, fizemos o nosso próprio repasto: Um pacote de caju que eu tinha na mochila, dois géis e bebida isotónica (as pastilhas revelaram-se fundamentais, devido à restrição de bebida energética) fizeram a ementa do jantar. Colocados os frontais, pusemos pés ao caminho, sempre pelo trajecto balizado. Um pouco mais à frente um vulto saúda-nos. Era o Fernando Rocha, colega dos Porto Runners, que estava no apoio do abastecimento dos 50 kms, e que esperava alguém da organização para recolher dois atletas que ali tinham abandonado a prova. À pergunta do Fernando se íamos seguir, respondemos em uníssono afirmativamente. Prometeu-nos simpaticamente um café no abastecimento dos 60, e que lá nos esperava, descansando-nos em relação ao percurso.
Lá fomos nós. Era já noite. O percurso ali, não estava ainda balizado com fitas reflectoras, tornando-se assim difícil distinguir algumas no breu. Encosta acima, trilho abaixo, mais rio para atravessar, numa zona com uma mini-hídrica e onde tínhamos de caminhar dentro de água, mas felizmente sem incidentes. Quando chegámos ao fim da subida, já a menos de 1 km do prometido controlo dos 59, eis que vindo da escuridão, aparece o José Moutinho ao volante da sua pick up (curiosamente o termo traduzido à letra do inglês é boleia, ou apanhar), buzinando. Recolheu-nos dizendo que a prova tinha sido suspensa por razões de segurança, devido ao nevoeiro e que nos ia ser atribuído o tempo de prova de 17 horas. 
No “Refúgio da Lomba” esperava-nos uma canja, uma bifana e uma mini, que degustámos, esses sim como gourmet, na companhia de mais alguns colegas que aí foram recolhidos e levados, connosco até ao Merujal. Não foi a forma com que queria acabar a prova, sair de um carro, entregar o chip e receber o troféu de finisher, mas foi o que me calhou.
Não sei se teria ou não conseguido chegar à meta sem mais percalços, mas sei que não desistiria nunca. Com 10 kms para o final, tenho a certeza que, mesmo de rastos, o Meixedo me arrastaria para a meta. E tenho a certeza, porque apesar de o ter atrasado com aquela quebra pouco antes dos 40 kms, foi ele que me mostrou só com simples frases que chegaríamos desse por onde desse e que éramos capazes. Quando se tem assim um companheiro, com uma força, determinação e coragem do tamanho daquela serra, não temos como o desapontar. Suguei dele o que pude, enquanto pude, e enquanto ele me foi mantendo à vista. Fiz o que consegui, sem deixar nunca de pôr um pé à frente do outro, na esperança que não o atrasasse e não o deixasse cumprir o sonho. Pela sua determinação, pela bravura de um verdadeiro ultra, determinado e obstinado no objectivo, e, acima de tudo, pelo companheirismo, mereceu aquele troféu de finisher. Diga-se em abono da verdade que merecia o dele e o meu.
Obrigado Meixedo.     

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Para terminar, não quero deixar de agradecer a todos os que contribuíram para a organização da prova, aos Leões do Veneza, às populações e aos voluntários.
Ao José Moutinho, agradecer as palavras de apoio no final (tem aquele jeito de nos calar com o termo que mais usa: “Campeão”), agradecer o empeno que trouxe da aventura fantástica que é a Ultra Serra da Freita, mas dizer-lhe que, mesmo sem tanto “petisco” no rio Paivô, o Gourmet era perfeito. Não precisávamos de provar tanta técnica. Vou seguir o teu conselho, e vou treinar nas rochas das praias da marginal do Porto. Pode ser que no próximo ano salte entre elas qual cabra montesa.
A última palavra fica para todos os que participaram nesta prova. Aos que participaram no “trailer” (17 kms) e que com certeza tiraram uma pequena ideia da dureza e beleza da Freita e principalmente aos que se aventuraram na prova rainha, a tal “película de grande produção”. São todos uns bravos. Todos, sem excepção. Desistir numa prova como esta é tão difícil como a fazer, até porque, depois da partida, só mesmo nos abastecimentos há hipótese de recolher quem para. Concluir é para alguns eleitos. Não basta estar preparado fisicamente, é preciso ser muito forte mentalmente. O Luis Mota e a Carmen Pires foram os primeiros a concluir a prova nos respectivos segmentos. Parabéns pelas vossas vitórias.

Por fim fica a frase que serviu de inspiração a um amigo e atleta exemplar, o Carlos Natividade, que, na sua estreia, concluiu brilhantemente a prova.

"É melhor tentar e falhar, que preocupar-se e ver a vida passar; é melhor tentar ainda que em vão, que sentar-se fazendo nada até ao final.
Eu prefiro na chuva caminhar, que em dias tristes em casa me esconder; prefiro ser feliz, embora louco, que em conformidade viver".

(Martin Luther King)

P.S.:Fotos retiradas do Facebook, da autoria de Hugo Santos e do Francisco Serrano Cantalejo