sexta-feira, dezembro 14, 2012

Os Quatro na capital

Podíamos ser 5, mas o quinto seria sempre imaginário, ou apenas personagem de anedota.
Talvez a engenharia nunca o venha a determinar, mas na altura pareceu-me premonitório um qualquer fanhoso ter azar na vida, mesmo depois de a vida lhe ter sorrido.
Esta introdução apenas pode ser compreendida na sua essência pelos meus três companheiros de viagem do último fim‑de‑semana.
Tinha corrido tudo dentro de uma aparente normalidade até àquele momento em que o motor do carro, como as minhas pernas ao km 30 da maratona, se recusou a trabalhar. Não era muita a velocidade, 120, 130 no máximo, como tinha sido regular o meu ritmo até "gripar". A animação estava em alta, numa espécie de desafio com o Vitor Dias, que desgarradamente debitava anedotas sempre em resposta a alguma desafiante da minha parte. De repente, como um "muro", o motor calou-se. Ficámos ali, algures na Serrania de Fátima, até os pés da Marlene enregelarem por completo, fora do carro, atrás do rail de protecção, que os que passavam não abrandavam. Como na prova dessa manhã, lá veio um reboque, com pior aspecto que o carro (apesar de avariado) mas que o levou. Nós regressámos sãos e salvos num belo topo de gama, conduzido pelo Sr. Armando, homem dos seus 56, que depois de por o aquecimento nos 21 graus, avisou a patroa da inesperada incursão ao Norte, e da consequente ausência para jantar.
Animação foi coisa que não faltou. Nem no Sábado na viagem para Lisboa, nem na estadia. Tínhamos planeado ir de comboio, fomos de carro devido à greve dos maquinistas da CP ao trabalho em dias feriados; pedi para alterarem a reserva do hotel, de quarto quadruplo para duplo, quando chegámos tínhamos 4 camas. Planeamos deitarmo-nos cedo, deitamo-nos quase às 2 da manhã, depois de um animado jantar. Planeara fazer a maratona na ordem das 4 horas, saiu-me uma prova de 4h32. Imprevistos atrás de imprevistos tinha que haver mais algum. Foi a avaria.
A minha prova resume-se por um ritmo cuidadoso, agradável, com 1h57 à 1/2 maratona, na tentativa de o manter até à Almirante Reis. Com alguns minutos de avanço sobre as 4 horas, mesmo que vacilasse naquela subida, daria para controlar. Mas as pernas não queriam. Não era dia. Depois dos 23 kms comecei a sentir alguma fraqueza. Até aos 28 mantive o ritmo, à espera que passasse. Nada. Quando fiz o retorno pensei em desistir, tantas eram as cãibras. Faltavam-me 14 kms e parecia que correr era impossível. Encontro o José Guimarães, que animava por fora, diz-me para beber água, muita. Foi o que fiz, no abastecimento dos 30. Depois disso, aguentei-me com ele e uma amiga que ele então acompanhava num ritmo lento, mas que as minhas pernas não reclamavam. Aparece então, cerca do km 36, o Miguel Lopes, que acompanhei até final. O Miguel nasceu com pés botos. Depois de muitas operações e fisioterapia corrigiu minimamente o desvio ósseo, o que lhe permite caminhar quase normalmente. Quase. Depois de algumas aventuras na corrida, decidiu estrear-se na maratona. Eu ali a pensar desistir porque não ia fazer o objectivo, e aquele homem a superar a própria natureza. É disto que são feitos os maratonistas, de superação. Mesmo contra a adversidade lutámos. Com a impossibilidade de o Miguel correr em subida devido ao atrofiamento dos gémeos, lá fomos Almirante Reis acima, ele dentes cerrados e vontade imensa e eu pasmado com a garra daquele homem, que não mais larguei mesmo contra a sua vontade e com quem tive a honra de cruzar a meta. É de surpresas que a vida é feita. As maratonas são sempre uma incógnita. Nunca sabemos o que esperar delas. Confesso que não acabei muito animado, mas não é mais que um sentimento egoísta de quem quer sempre superar-se. Mas há alturas em que o motor para. Não há mais nada a fazer que não seja prepara-lo para outras viagens.
De surpresa em surpresa, com maior ou menor dificuldade, lá fomos a mais uma aventura. O Vitor Dias fez uma excelente prova, terminando mais uma maratona de forma brilhante, com 3h10. O Luis Pires, concluiu em 3h19, no top 20 do seu escalão, a sua 84! participação em maratonas e ultra maratonas. A Marlene não correu, dançou. E coloriu-nos a viagem. Foi um fim‑de‑semana agradável, com gente agradável, saudavelmente insana, que levou sorrisos à capital. Assim até as avarias passam despercebidas e compreendemos que o 13 é apenas um número (foi a minha décima terceira maratona) e tudo, mas mesmo tudo, é motivo para nos rirmos da vida, senão ela vai seguramente rir-se de nós.