terça-feira, setembro 24, 2013

A importância da comunicação

A respeito deste post no Facebook de um atleta, que por acaso também é organizador de uma (excelente) prova de trail, apeteceu-me dissertar sobre a corrida, cada vez mais virada para grandes públicos e cada vez mais em moda, mas também, ainda pouco tratada como a evolução merece. Há ainda muito amadorismo nas organizações das cada vez mais lucrativas provas de corrida, sejam em montanha ou em estrada.

Desde o organizador de uma prova na Serra da Estrela, de 100 milhas, onde se perderam vários atletas por deficiente marcação, que se perde a retirar as ditas marcações e é resgatado pelas autoridades já quase em hipotermia extrema e colocando a própria vida em perigo, até à prova de estrada sem água nos abastecimentos, com temperaturas acima de 30 graus, já tivemos de tudo. Chegámos ao cúmulo de, depois de alguns atletas se enganarem num percurso numa outra prova de trail (curiosamente, ou não, do mesmo organizador da de 100 milhas) por deficiente marcação, e inclusive por marcações ainda da prova do ano anterior, culpar os atletas pelo erro, por, pasme-se, não terem assistido ao briefing. Como se as provas, pagas pelo atleta, não tivessem qualquer responsabilidade sobre aquilo que prometem, organizam e cobram. Temos agora a originalidade de chamar “espontâneo” a um termo de responsabilidade obrigatório, com cláusulas que roçam quase o ridículo, e onde só falta a obrigatoriedade de indemnizar a organização caso causemos incómodos de maior.

Podia dar-vos mais exemplos. Há muito amadorismo no tratamento dos milhares de atletas que enchem estas provas, quase tanto como a leviandade com que a grande maioria dos atletas tratam a corrida. Calçam sapatilhas, compram uma mochila, um frontal, géis e barras, um bom corta-vento, e fazem-se às provas sem sequer fazerem um exame médico que ateste a capacidade da máquina em fazer grandes esforços. Duvido que, dos mais de 700 (!!) inscritos no próximo Trail Serra D’Arga, metade saiba qual o estado do seu corpo. Gastam mais de 600€ em equipamento, sobra pouco para os cerca de 50 ou 60 que custaria um exame médico desportivo.

Mas este texto é sobretudo sobre as organizações. As provas de estrada em Portugal são organizadas por amadores. Há algumas empresas ligadas ao ramo, cujos proprietários se dedicam em exclusivo à organização destes eventos, mas que evoluíram de organizações puramente amadoras, de tempos em que a corrida era pouco expressiva em termos de adesão de amadores, e que continuam assentes no mesmo método de trabalho. Temos que lhes dar o mérito que têm, reclamam e merecem. Talvez eles devessem aceitar as críticas, não com humildade, já que o profissionalismo não pode ceder a sentimentos, mas com o profissionalismo e bom senso que é recomendável a quem dá a cara por marcas de renome. Porque quando se responde a um “cliente”, responde-se com vários fatos vestidos, o seu e o dos patrocinadores.

Sou profissional da área comercial. Lido com clientes todos os dias. Muitas vezes respiro fundo, grito para dentro e controlo os meus ímpetos (estes sim espontâneos), que me levariam a tratar com os pés aquilo que deve ser tratado com pinças. O cliente nem sempre tem razão, há imensas coisas que ele desconhece e que levam ao resultado que ele vê, mas isso é inexplicável quando o objecto de tudo o que está oculto aos seus olhos, é ele próprio. Claro que tudo isto é gerenciador de stress, de algum sentimento de frustração do nosso lado “animal”, que gosta sempre de dominar e terminar qualquer contenda com o pé em cima do adversário, mas não pode ser. Devemos, quando lidámos com clientes, manter a mão estendida disponível a um entendimento, sob pena de, sendo o resultado um cliente insatisfeito, estarmos a fazer transparecer uma ideia errada sobre todo o esforço despendido para a sua satisfação, e o malvado não o compreender.

Há no entanto uma empresa em Portugal que é quase exemplar nos eventos que organiza. Pelo menos aos meus olhos. Evoluiu pelas mãos de um homem: Jorge Teixeira.
Participei em imensas provas organizadas pela Runporto, desde a “Corrida do Homem e da Mulher”, passando por corridas solidárias, até às 1/2 maratonas e maratona (vou para a quarta participação em 10 edições), e a ideia que tenho é que a evolução tem sido muita e se nota cada vez mais profissionalismo e atenção aos pormenores, havendo sempre coisas a melhorar, como em tudo na vida. A perfeição não existe e só erra quem trabalha. E se há coisa que uma organização destas dá, é imenso trabalho. Pensa-se que se enriquece com a organização de corridas, mas não consta em nenhuma lista de milionários, qualquer homem dedicado em exclusivo a esta actividade. Tem que se ter paixão, dedicação e muito trabalho e vontade de vencer.

O dono da Runporto, é um homem dedicado à corrida e à sua divulgação, e um dos principais responsáveis pelo boom de corredores nas nossas ruas, ao organizar superiormente muitos dos eventos de corrida do Grande Porto. Conheço-o pouco. Conto pelos dedos do meu corpo, as poucas palavras que com ele troquei, uma vez na sua “Loja do Corredor”, uma ou outra vez nos aniversários do meu clube, ou num ou outro encontro ocasional. Conheci um dos seus filho na Maratona de Lisboa, esteve em alguns pontos da prova a apoiar-nos, e ainda hoje, simpaticamente me saúda quando nos cruzamos numa ou outra prova. São gente de trabalho, toda a família se dedica à Empresa. São seguramente boas pessoas porque eu olho para a equipa da Runporto e vejo os mesmos há anos a entregar dorsais, a montar as estruturas, nos controlos de provas, etc. Este é normalmente um indicador de gente satisfeita com o ambiente, método e com o resultado do trabalho que fazem. Acredito que são uma equipa consolidada porque o líder é forte, sabe o que faz e os guia aos resultados. E um líder é mesmo isso, um líder. Um bom líder faz com que a sua equipa seja simpática no seu todo, apesar de um ou outro mais antipático, eficaz no trabalho, apesar de um ou outro erro, e acima de tudo eficaz a preservar o nome da empresa, e passar essa mensagem à equipa. E o Jorge Teixeira faz isto quase na perfeição. Quase, porque ele próprio desgasta a imagem com pormenores que nada acrescentam. Enerva-se, com certeza terá alguma razão, defende a empresa como se fosse o próprio, mas a Runporto já tem uma dimensão que o Jorge Teixeira tem que deixar evoluir, não personalizando tanto as questões, que não passam de pormenores numa máquina afinada.

Numa empresa, as trocas de mensagens, têm sempre que fazer passar a imagem da empresa e nunca sentimentos ou estados de alma pessoais. Isso faço eu, aqui no meu blogue. Nas empresas, a comunicação tem de ser profissional. A Runporto organiza tão bem as suas provas que seria mais uma excelente demonstração de profissionalismo, fazer a comunicação com atletas por profissionais, e  deixar estas, digamos, “altercações”, para trás. Passar à frente, tentar resolver o problema, e se não houver como, pedir compreensão e não despoletar situações como a relatada pelo Leandro, ou como outras que se podem ler nos comentários, porque eu acredito que há tanta coisa boa na Runporto que não pode ser uma má estratégia de comunicação que a possa beliscar.

15 comentários:

  1. Excelente análise do que se passa na corrida (e não só). As empresas e organizações também sofrem de "dores" de crescimento; enquanto a abordagem é de amadores para amadores, as expetativas são baixas, o número de participantes menor e os problemas são facilmente resolvidos. Quando a procura cresce muito mais rapidamente do que a estrutura empresarial, as soluções já não podem ser as mesmas e a empresa tem de evoluir para outro patamar sob pena de passar a ser um factor de entropia e não de desenvolvimento do desporto.

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    1. Obrigado Gastão.
      As empresas mantêm-se com estruturas pequenas, porque a segurança deste negócio é pouca, como sabemos. Mas não têm realmente outra solução senão crescer mais ainda. E ainda bem.

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  2. Bom artigo, concordo com ele, mas não sejam inocentes. A Runporto é uma grande empresa que ganha muito dinheiro e que serve para sustentar toda a familia, Não tenho nada contra isso, sou é contra à forretice durantes as provas. E se eu pago o que me pedem, eles têm que me dar o que prometem. Na Corrida de São João fui levantar o meu dorsal no sábado à tarde e já não havia tamanho "M". Pensei, foi um pequeno erro. Na próxima prova isto não irá acontecer. Mas aconteceu, por isso já não há desculpa. Mais uma prova da forretice da organização é a colocação das bebidas isotónicas. Primeiro, não publicitam quais os abastecimentos vão ter estas bebidas, em segundo, a mesa é tão pequena que acho que metade dos concorrentes não conseguem ver que existe, em terceiro, na Meia Maratona Sportzone, no abastecimento dos 15k, a mesa estava dois metros fora da estrada. O atleta tinha de parar para ir beber um copo de powerade. Só não deixo de correr as corridas da Runporto, porque adoro correr na minha cidade. Mas é pena que esta organização não faça melhor, só para poupar uns tostões! Acreditem, que é essa a verdadeira razão. Qual é a organização que tem as grandes marcas nacionais como patrocinador? Qual é a organização que tem as inscrições mais caras? RUNPORTO. Se a runporto não consegue organizar uma prova 5 estrelas, como é que as organizações amadoras sem patrocínios conseguem?

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    1. Pedro, algumas questões são pertinentes, mas como deve compreender, as organizações não conseguem agradar a todos. Contudo, a minha experiência em provas nacionais e internacionais, diz-me e mostra-me à evidência, que por cá se faz melhor com menos. A grande despesa de uma prova não está nos abastecimentos, embora seja significativa, nem tão pouco nas camisolas. As pessoas não têm noção da fortuna que se paga no policiamento. E acredite que não é tão pouco quanto isso.
      Quanto às falhas nas t-shirts, acontecem com alguma regularidade nos tamanhos mais pequenos, é uma falha que terão de rectificar, talvez com a obrigatoriedade de seleccionar o tamanho da t-shirt no acto de inscrição.
      Boas corridas!

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  3. A runporto é uma empresa profissional com provas dadas quanto á qualidade das suas organizações. O que é pena é ser liderada por uma pessoa prepotente, narcisista e incapaz de dar razão a um qualquer do seu cliente (corredor), mesmo que toda a gente veja que ele não tem razão. Esteve capaz de matar o organizador da meia da régua há uns anos atrás por falta de água. Onde estavam os abastecimentos para os atletas mais atrasados na maratona do Porto do ano passado?

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    1. Sou atleta de pelotão, do fim do pelotão. Fiz a Maratona do Porto em 4 horas e não dei por falta de água. Ouvi falar em falhas num dos abastecimentos, mas nada comparável com essa prova da Régua, onde estive em filas à porta de agricultores, à espera de vez para beber água. Essa foi o cúmulo.

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  4. Parabéns Rui Pinho pelo texto aqui deixado, creio que o erro é motivado por ninguém conseguir ser perfeito e não haver ainda uma máquina que no tempo nos faça parir a todos com as mesmas ideias e pensamentos, não me atrevo a censurar seja quem for desde que respeite a dignidade a quem se dirige e quando se ultrapassa os limites é dever de todos contribuir para que as coisas sigam o rumo certo sem prejuízo para ninguém. Num meio tão vasto como este das corridas onde tantos interesses estão em jogo é natural a discórdia e a incompreensão onde nada se resolve se não houver bom senso e compreensão. Respeito todos os organizadores de provas, mesmo aqueles que por tanto amadorismos e desleixo tanto mal fazem à corrida e aos corredores, na RunPorto sempre fui bem tratado e recebido em todas as ocasiões que tenho tido em participar nas suas iniciativas ligadas à corrida (na Maratona de Novembro próximo lá estarei de novo), mas sou eu a falar assim porque aprendi a respeitar o esforço dos que fazem alguma coisa em favor da sociedade, não participei ainda em nenhuma prova organizada pelo Leandro e não é por isso que não lhe reconheço grande valor pelo seu trabalho e dedicação, é exatamente por isso que quem tem responsabilidades organizativas tudo deve fazer para contribuir para a harmonização do meio para que cada um possa ser ajudado a corrigir eventuais dificuldades, ás vezes imprevistas. Não me revejo a fazer boicotes, nem esse é o melhor caminho seja para quem for, tenho para ali à volta de 300 t-shirt, metade delas não me serve por serem pequenas e não é que sempre procure adequar à "minha conquista" a minha medida mas a maior parte das vezes isso torna-se difícil e não é por isso que não me revejo mais numa prova que sei que foi organizada com tanto empenho para a todos agradar. Um abraço e até à Serra D`Arga.

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    1. Lá nos encontraremos amigo Joaquim, na Arga e em Novembro aqui na Invicta para vos receber com a deferência que merecem.
      Abraço!

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  5. É indispensável, amigo ! Parabéns pelo belo texto, perfeito. Meu carinho.

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  6. Caro Rui Pinho, subscrevo inteiramente o que é dito no seu texto. Aliás, no fb já tive oportunidade de comentar o post que ali foi colocado, falando da "boa educação" no e-mail do Leandro e na "má educação" da resposta do Jorge Teixeira. Quem organiza deve ser tolerante. Deve pensar que um dia, o reparo que quer fazer a outros, podem outros vir a fazer-lhe. Não se pode ter tudo controlado: Começa-se por hierarquizar as prioridades e, a verdade, é que tudo quanto era vital para a prova estava lá e funcionou. O caso das t-shirts, trata-se de uma arreliadora anomalia que, de certeza, não deu qualquer prazer à organização. Ou alguém pensará que a RunPorto gosta de dar motivos para reclamação, para poupar uns trocos? Será justo que, a pretexto de um pormenor se lance uma campanha que procure anular tudo o que a RunPorto tem feito pela Corrida na Cidade do Porto? Não será uma mesquinhice valorizar tanto uma t-shirt? E que tipo de resposta estariam à espera que se desse, quando se dirigem à Organização, como se esta tivesse destratado os atletas? A resposta poderia ter sido outra, mas a mensagem inicial também poderia ter sido mais cordial. Digo eu.

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    1. Estamos de acordo Fernando. Mas são recorrentes este tipo de situações, não havendo qualquer necessidade de desgastar uma imagem com respostas emocionais. Essas ficam para os atletas, que são amadores inclusive na comunicação. Sem querer atribuir mais ou menos razão, a minha intenção foi de dissertar sobre a importância de colocar "panos quentes" em emoções sentidas por quem se desloca a estes eventos. Como diz um amigo, dono de um restaurante: "Quem gosta diz ao patrão, os que não gostam dizem a toda a gente".
      Se tivermos a oportunidade de serenar opiniões e atrair público, ficámos todos a ganhar.
      Até Sexta, em Caminha.
      Abraço!

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  7. Paulo Santos11:57 da tarde

    Para esse filme já dei. A coisa resume-se facilmente:
    RUNPORTO – a mais competente organização de eventos de corrida em Portugal.
    Jorge Teixeira – um palerma intratável, com um nível intelectual e educacional bem abaixo da sua estatura.

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  8. Caro amigo, gosto do teu texto, como é habitual, e concordo totalmente com o que nele está escrito, o que nem sempre acontece.
    Quanto ao rumo que os comentários levaram, pena é que as pessoas estejam habituadas a no dia-a-dia serem destratadas por quem se julga num qualquer patamar situado mais acima, seja no emprego, seja pelos políticos, enfim nas relações interpessoais sejam de que tipo forem. Pena é que não haja nunca tempo para debater a educação, ou a falta dela. Pena é que quando alguém aflora ESPECIFICAMENTE esta vertente, uns não entendam e outros se façam desentendidos, e se perca tempo, de forma ingénua ou deliberada, a discutir outros temas também importantes mas que de momento não vinham a propósito ... pena é que a coluna vertebral faça cada vez menos falta ... pena é ...

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    1. Temos realmente pena. E vamos ter tempo na Arga para dissertar sobre estes e outros assuntos. Sim, porque nós somos dos que aproveitamos todos os bocadinhos de corrida para enriquecimento pessoal.
      Abraço!

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