sexta-feira, maio 19, 2017

Fazer das tripas coração!

A arte popular de transformar o que aparentemente se dispensa é equivalente ao toque de midas, que transformava em ouro tudo o que tocava. A diferença entre as duas está na atualidade da primeira em quase tudo o que se faz voluntariamente. A arte de transformar em forças todas as fraquezas e contrariedades que nos metem à frente do nariz, é uma arte portuguesa que dá frutos. Do Salvador que, aparentemente diminuído pela débil saúde e por ser dos poucos a não cantar em inglês, aos inúmeros vencedores por esse mundo fora que transcendem a dimensão de onde são oriundos, há um sem número de exemplos de gente que transborda energia, resistência, alegria e tenacidade face às adversidades, capacidades em que nós lusitanos somos pródigos. 

Portugal estará representado em Itália no campeonato do mundo de trail running, no próximo dia 10 de Junho, dia de Portugal. Não podia haver maior simbolismo para as 7 mulheres e os 6 homens que defenderão o 6º e 5º lugares conquistados coletivamente em Outubro último na prova disputada no Gerês. O trail, disciplina do atletismo que mais tem crescido nos últimos anos, é um dos maiores motores de desenvolvimento turístico dos países com conhecidas estâncias de desportos de inverno de toda a Europa. Andorra, Alpes - franceses, suíços e italianos, Espanha - Picos da Europa, Serra Nevada e Serra de Madrid, Itália, Croácia, Alemanha e muitos outros, apostam no trail para atrair turistas na época baixa deles - o Verão. 

Portugal tem já apostas seguras que visam atrair os que não conseguem correr por ser demasiado frio nos países de origem. A Madeira é o melhor exemplo de aposta neste segmento turístico que tanto movimento lhes tem trazido, e os Açores trilham já o mesmo caminho, internacionalizando provas, cuidando os percursos e fazendo a respetiva divulgação no exterior. 

A Seleção que nos representará é constituída na sua maioria por homens e mulheres que trabalham, têm família e usam o pouco tempo que lhes resta para treinar arduamente. Muitos deles, a maioria, estão entre os melhores da Europa e ombreiam com quem tem apoios para poder dedicar-se quase em exclusivo ao treino e preparação de provas. Apesar de alguns terem alcançado, por mérito das classificações no último Campeonato do Mundo, o Alto rendimento, não têm licença para representarem o País. Militares, professores ou médicos, têm de abdicar dos seus vencimentos ou gastar dias de férias, férias que dependem de autorizações superiores e que, no caso dos professores - por a competição ser coincidente com época de exames está-lhes vedado. Não basta a escassez de meios de uma seleção que é suportada quase em exclusivo pelos meios da Associação de Trail Running de Portugal - Associação que regula e organiza a modalidade, sócia da Federação Portuguesa de Atletismo, ainda lutam os seus atletas contra a fraca cultura desportiva que ainda é característica do nosso País, apesar de já termos todos em todas as modalidades, provado que sabemos ser tão tenazes e abnegados como os melhores. É que meios nem todos têm, mas a vontade depende de cada um e é uma característica que nos está cravada na identidade. A imagem da chegada da nossa primeira atleta no último Mundial - a Sara Brito, carregando a bandeira, rastejando com o olhar fixo na meta, é a prova que nem o cansaço nos derrota, nem a falta de apoios nos atrasa. É para estes que lutam com garra que temos de olhar e proporcionar forma de melhor se prepararem. Meios, à boa maneira portuguesa, desenrascamos. Só precisamos que nos olhem com mais atenção e deixem os nossos atletas lutar por Portugal. Faremos do impossível realidade.

É que transformar tripas em coração não é para qualquer um!

Foto Paulo Jorge Magalhães - Global Imagem

terça-feira, maio 02, 2017

O fim de semana de Trail em números



Como em qualquer fim de semana, houve várias provas de corrida em Portugal, um pouco por todo o lado.
Sem ter analisado os participantes em provas de estrada ou ter sequer olhado para o que aconteceu nas ilhas, deixo alguns números que me alegram e preocupam ao mesmo tempo.
Portugal é um País de modas, mas ao contrário do que muitos pensam não acho que o trail seja apenas uma moda. O trail, é a exemplo de todas as actividades ao ar livre e que nos levam a procurar as nossas origens nos locais mais recônditos e inóspitos, uma actividade saudável e comum nas economias avançadas. É uma modalidade em que todos podem e devem participar, mas que tem de ser olhada com olhos diferentes, tem de ser encarado com o profissionalismo que uma massificação destas exige. Quanto mais cedo melhor.
Atentem:

Este fim-de-semana houve, pelo menos 13 eventos de trail. Destes, quase todos tiveram duas ou mais distâncias, tendo predominado a quilometragem entre os 15 e os 30 km. O limite máximo foi de 50 km. Não tive acesso aos números de inscritos nas caminhadas, habitualmente também muito concorridas.

Trail Glória do Ribatejo (Santarém) - 650
Cascais Trail Experience (Lisboa) - 450
Mesh Nazareth Trail (Leiria) - 82
Ossónoba (Algarve) - 300
Trilhos do Alecrim (Leiria)- 85
Trail do Anjo (Porto) - 181
Raid Atlético dos Barris Trail (Setúbal) - 200
Trilhos dos Pernetas (Aveiro) - 400
Trail Fisgas do Ermelo (Vila Real) - 936
Ultra Geira Romana (Braga) - 700
Boticas Trail (Vila Real) - 200
Penacova Trail do Centro (Coimbra) - 500
Trail Varzim Lazer - ? (300 pelo menos, mas não consegui ver resultados)

Mais de 5000 pessoas em provas de trail num único fim de semana, números que nos devem fazer todos reflectir. Só a título de curiosidade, o último classificado de um dos trails de 18 km demorou mais de 5 horas, quando o primeiro dos 50 km da Geira demorou 3h50. É com esta disparidade de preparação e aptidão que temos de contar numa prova de trail. E contamos. Mas será que os promotores destas provas contam com isto?

Não falta vitalidade ao trail, falta mais regulação e atenção a um fenómeno que não para de crescer. Felizmente.