domingo, fevereiro 03, 2013

O que é o Trail Running?

Há alguns dias alguém perguntava se havia melhor definição para o trail que uma que o descrevia, por poéticas frases, como uma constante tomada de decisões e batalha permanente do corpo vs mente. Numa definição lata, o trail é a vertente de corrida na natureza, em provas que variam em quilometragem mas são constantes no desafio à natureza.

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(Serra da Freita, onde são vulgares os encontros com estes “locais”.)

É vulgarmente confundido com corta-mato. Há atletas que se inscrevem em provas de trail e depois se lamentam de haver pouco onde correr. Para quem gosta de correr, se procura desafios de dureza superior às provas de estrada, normalmente planas, deve procurar fazer as provas do circuito de montanha. Essas sim, são provas de corrida em terrenos de desníveis acentuados, onde o estradão florestal, caminhos rurais e os corta-fogos de montanha substituem o habitual alcatrão das estradas. Aí podem desafiar a gravidade e impulsionar o corpo montanha acima, em competição com outros atletas que apreciam a corrida inclinada.
O Trail é “vinho de outra pipa”. Trail não implica obrigatoriamente correr. Trail implica técnica de corrida e muita caminhada em pisos que podem variar entre a lama, água, pedra solta ou penedos lisos e caminhos apenas utilizados por cabras. Implica sempre ser destemido perante os desafiantes desfiladeiros, as assustadoras quedas de água, ou as lamacentas e escorregadias margens de cursos de água, onde normalmente se revela difícil manter o corpo na posição erecta. Aqui, o segredo é deixar o corpo ir, tentado equilibra-lo sem cair, enquanto os pés se precipitam trilho abaixo, firmando o solo apenas por um nano-segundo. E quando pensares que finalmente há uns km para fazer em corrida, provavelmente é apenas um pequeno terreno de transição para outro trilho. Para entender o que é o trail, quando olhares para uma montanha, imagina como seria fazer uma estrada até ao topo com a maior inclinação possível, porque será esse normalmente o trajecto que um “desenhador” de trilhos escolheria.
Quando quiseres fazer um treino de trail, vai à praia, uma bastante rochosa, preferencialmente com a maré vaza, e corre pelas rochas, saltitando entre elas sem parar, tentando o equilíbrio. As quedas aí serão um bom treino.

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(Ultra Trail Serra da Freita – Entre penedos e água, muitas vezes escolhe-se a água)

Quanto ao espírito do trail, só me ocorre um pensamento: Introspecção. Somos nós e a montanha.
Nas provas ou treinos de trail, perante as dificuldades, ficamos pequeninos e humildes às mãos do feitio da mãe natureza. Da natureza que nos dificulta a progressão, e da nossa própria natureza, dos nossos receios, da nossa cómoda posição dominante e agressora do meio ambiente onde nascemos e tão mal tratámos. Já fiz algumas provas de trail. Não há uma onde não pare hesitante perante um qualquer obstáculo que transpus e diga baixinho para mim: “Espectáculo!”
São lutas constantes com tudo. O terreno, o trilho que teima em não nos facilitar a corrida, as cãibras, as dores musculares e traumáticas das constantes quedas, o pó ou a lama, os arranhões ou os picos nas mãos… Não há prova que não termine sem trazer um pouco do percurso marcado no corpo.

Catarino(O excelente atleta e amigo Miguel Catarino no final dos Trilhos dos Abutres, marcado pela lama)

E depois, o mais importante: A camaradagem.
No pelotão do trail todos se ajudam, todos se incentivam e todos apoiam todos. Porque todos sentem as mesmas dificuldades. É usual e normal estarem os primeiros a apoiar os últimos na meta de uma prova, mesmo que isso signifique uma diferença de 5, 6 ou mais horas. É usual no trail os mais rápidos treinarem com tipos como eu, que toco sempre os tempos limite das provas. E nunca te deixam para trás.


VascoCascata(Eu e o Vasco Batista, que me acompanhou e incentivou a partir dos 28km, pacientemente, nos abutres.)

Resumindo, o trail é uma actividade em natureza, ligado à corrida por caminhos normalmente não utilizados por quem se quer deslocar rapidamente entre dois pontos. É uma actividade que se pratica na natureza e que por isso a respeita. No trail deixamos a natureza marcada apenas pelos nossos pés. Trocámos os habituais abastecimentos em passo de corrida, por uma amena cavaqueira com os voluntários que nos servem sopa e sandes. E é acima de tudo isto, uma actividade de sofrimento.
Quem não estiver preparado para sofrer não se dá bem com o Trail Running. É escusado queixarem-se deste ou daquele organizador, porque todas são duras e difíceis. Se forem fáceis, normalmente, quem gosta de trail não as repete.
E depois o que fica são os bons momentos, os que nos fazem sentir grandes, enormes perante os desafios. Aqueles que nos fazem sentir altruístas porque ajudámos um atleta em dificuldades, ou os que nos fazem mais humildes porque nos deram a mão quando mais precisávamos. Os melhores momentos são mesmo os mais humanos, os de deslumbramento perante a força da natureza. E essa força, no trail, somos nós.   

AbutreCascata

16 comentários:

  1. ADOREI! !!!!!!
    ÉS ENORME e não falo em altura!

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  2. So quem faz trail e n percebe o porque de tanta paixão !

    Primeiro estranha-se depois entranha-se :)

    No fim pensamos todos .... Quando e a próxima prova?

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  3. Espectáculo! Não o diria tão bem, mas diria o mesmo também.

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  4. Só uma nota: As provas do Circuito Nacional de Montanha são de Trail na sua esmagadora maioria podem é não ter a dureza dos Trail extremos mas algumas até tem sectores bem complicados e técnicos em que não é nada fácil de correr e nem se consegue mesmo correr as vezes
    As provas do Circuito Nacional de Montanha não se correm apenas em estradão florestal, caminhos rurais e os corta-fogos de montanha muito pelo contrario.
    Não se pode só considerar Trail provas extremas como a Freita, Os Trilhos do Abutres ou a Serra de São Mamede só para dar alguns exemplos!
    E já agora tudo isto começou a meio da década de 90 e os mais "antigos" lembram-se de provas como o Cross da Serra do Açor ou a Transestrela para não falar na Nocturna da Serra da Malcata entre muitas outras mas estás eram míticas!


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  5. Muito bom! Qualquer dia destes havemos de nos cruzar nos trilhos. Abraço

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  6. De ler e reler até às lágrimas!! Adorei! É isso mesmo o trail!

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  7. Ainda que tenha pouca experiência no Trail...revejo-me no texto...excelente...aprendi muito...

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  8. Já experimentei e gostei muito, fiquei adepto a este tipo de actividade física...agora, quando posso, não falto a este tipo de treino...é um espectáculo :)

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  9. Estão de regresso as Corridas D´Aventura!
    Sucesso em 2012, o evento surge com nova estrutura para receber os entusiastas do desporto na natureza.
    Esposende "disponibiliza" o seu património e está convidado a participar !
    A 1.ª etapa já está agendada para 7 abril, não descure a sua condição física.

    Informações em: www.cm-esposende.pt/ecoemotions/

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  10. Vou iniciar-me no trail este fim de semana e sem dúvida que este texto me deixa ainda mais motivado!!
    Excelentes palavras.

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  11. Uma grande descrição do que aqueles "malucos" que se metem montes acima com condições muitas vezes que só aconselham a ficar em casa (o Serra de Arga deste ano...) fazem.

    A constante luta mente / corpo perante a dureza extrema (Freicha da Mizarela - Serra da Freita) que nos leva a pensar em desistir, MAS que lá acabamos por ultrapassar sentindo-nos O MAIOR DO MUNDO, vencemos (nem que se chegue quase em último, como é o meu caso :-)

    Um abraço

    Angelo Senra

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  12. Bom dia! Desde já parabéns pela participação!
    Eu ando com imensa vontade de começar a fazer trail, por todas as razoes que deu e outras tantas!
    Moro no Porto e cá não conheco nenhum ''grupo'' com quem possa treinar ou ir as provas!
    Alguem me pode ajudar?
    Obrigada :)

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  13. Sentimos isso tudo :)
    Muito bom!!!

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