Vive, dizes, no presente,
Vive só no presente.
Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede.
O que é o presente?
É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.
É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.
Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.
Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas
como cousas.
Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.
Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.
Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Somos seres intemporais.
Pessoa dizia viver sempre no presente, por não ter já o passado e por desconhecer o futuro. E depois brindava-nos com estes textos assinados por um dos seus pseudónimos, que demonstravam a sua enorme confusão relativamente à torrente de sentimentos que o cérebro nos proporciona, toldados pela razão, a que chamamos consciência, ou pelo coração, que mais não é que a vontade inconsciente, despoluída das normas sociais.
Podemos dispensar tudo o que não vemos?
Podemos dispensar tudo o que queremos?
Podemos viver egoisticamente sem olhar a quem ferimos, olhando apenas para o nosso umbigo?
Podemos. É o que fazemos.
Vivemos num presente, às vezes envenenado, outras encantado, consoante o que nos convém. Vivemos com pavor da chuva se precisamos do sol para secar roupa e com pavor do sol se precisamos da água da chuva para não morrermos à sede. Somos seres insaciáveis. Somos o que nos convém. Vivemos inquietudes que mais não são que coisas que não nos dão jeito que se passem ou existam.
Sorte a dos tolos, dos insensíveis sem consciência, que vivem à vontade dos seus sonhos, sem terem juízo suficiente para avaliar da conveniência para o próximo de qualquer dos seus actos.
Somos o que nos dá jeito com imenso jeito para justificarmos aquilo que somos.
Também tenho um “Alberto Caeiro” na minha existência. Também falo enquanto Fernando e dou lugar ao Alberto quando dá jeito esquecer a envolvente, a estrada que me guiou, os cruzamentos que escolhi.
Há uma diferença enorme entre ser o que somos, e sermos aquilo que queremos ser. O que separa estes dois estados? A coragem de assumirmos o que somos, sem pseudónimos, sem máscaras, sem meteorologia que nos condicione. É sermos egoístas o suficiente para sermos o Pessoa. As questões que nos colocarão a seguir cabem sempre numa excelente resposta, lacónica o suficiente para ser entendida: Porque sim. Porque quero. Porque a vida é minha e as consequências também.
Seremos todos felizes? Somos Pessoa com necessidade de um Caeiro? A liberdade é um conceito tão válido para uso de pseudónimos como para sermos abandonados pelo mundo por sermos quem somos. E nós somos o que pensamos.
Excelente comentário!Nele me revejo!
ResponderEliminarGrande Alberto Caeiro ou... Fernando Pessoa, ou... qualquer um...