O bom que tem a leitura - o gosto pela descoberta de autores que nos são completos estranhos, desconhecidos do “bruá” literário, anónimos entre famosos, mas excelentes escritores – é que podemos andar entre filmes diferentes, saltar de realizadores, argumentos e argumentistas deste teatro global que é a vida.
O teatro foi a primeira arte com movimento desenvolvida pelo ser humano, para representar e mostrar vivências. Depois da pintura, o teatro trouxe-nos história, passada de boca em boca, até à escrita e consequente registo, também romantizado, das vidas que nenhum de nós vive.
Os livros fascinam-me. Gosto de mergulhar na escrita e sentir o que sentir o que sentiria se fizesse parte do “filme” que leio. Gosto especialmente de me sentir um observador da acção, coisa que só conseguimos se o escritor tiver essa capacidade. Como não sou milionário, vou lendo o pouco que me vai chegando às mãos. Tenho tardes inteiras mergulhado em “frames” de livros, entre estantes da Fnac, ou manhãs mergulhado nos livros da Biblioteca Municipal do Porto, em S. Lázaro, para onde gostava de fugir em dias de adolescente, quando me via sem aulas, trocando os chutos na bola pelo silêncio da sala com cheiro a madeira poeirenta. Gosto de mergulhar na história de um local que morreu depois de ter vida preenchida, gosto de romantizar vivências que desconheço. Gosto de viver.
Descobri recentemente (provavelmente será vergonhoso) um “Pessoa” que não é Fernando de nome próprio, mas que me fascina quase tanto como o outro, pela simplicidade utilizada nos pensamentos, e pela escrita, fluente e atraente, pelos pensamentos que passa e pela assertividade do momento. Porque a leitura também é momento. E o momento que vivo levou-me a sentir este texto, que abaixo transcrevo, como um remédio para mim. Porque quero viver a minha vida com (os) outros, e não viver a vida de outros como actor secundário.
Nós somos o actor principal deste filme, desta peça de teatro, neste palco.
Viver é…
Viver é uma peripécia. Um dever, um afazer, um prazer, um susto, uma cambalhota. Entre o ânimo e o desânimo, um entusiasmo ora doce, ora dinâmico e agressivo.
Viver não é cumprir nenhum destino, não é ser empurrado ou rasteirado pela sorte. Ou pelo azar. Ou por Deus, que também tem a sua vida. Viver é ter fome. Fome de tudo. De aventura e de amor, de sucesso e de comemoração de cada um dos dias que se podem partilhar com os outros. Viver é não estar quieto, nem conformado, nem ficar ansiosamente à espera.
Viver é romper, rasgar, repetir com criatividade. A vida não é fácil, nem justa, e não dá para a comparar a nossa com a de ninguém. De um dia para o outro ela muda, muda-nos, faz-nos ver e sentir o que não víamos nem sentíamos antes e, possivelmente, o que não veremos nem sentiremos mais tarde.
Viver é observar, fixar, transformar. Experimentar mudanças. E ensinar, acompanhar, aprendendo sempre. A vida é uma sala de aula onde todos somos professores, onde todos somos alunos. Viver é sempre uma ocasião especial. Uma dádiva de nós para nós mesmos. Os milagres que nos acontecem têm sempre uma impressão digital. A vida é um espaço e um tempo maravilhosos mas não se contenta com a contemplação. Ela exige reflexão. E exige soluções.
A vida é exigente porque é generosa. É dura porque é terna. É amarga porque é doce. É ela que nos coloca as perguntas, cabendo-nos a nós encontrar as respostas. Mas nada disso é um jogo. A vida é a mais séria das coisas divertidas.
Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'
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