4H 14M 49S Tempo oficial.
Não foi a pensar neste tempo final que, no Sábado, cedinho, bem cedo, fui para o Aeroporto.
Depois da minha primeira experiência na distância rainha do atletismo, no Porto, em Novembro último, e desafiado pelos meus companheiros do Porto Runners, inscrevi-me na Maratona de Milão.
O facto de ser no exterior, de ser uma prova numa cidade com um clima ameno, mesmo fresco na Primavera, levou-me a pensar que, com treino, poderia baixar das 4 horas de tempo final.
Cheguei ao Aeroporto, encontro o grupo da equipa Douro Azul, animados com é apanágio. Passo pela segurança, chego à porta de embarque e, já sentados à espera da hora de saída, o Mesquita e o Carlos Rocha. Saudações, conversas futebolísticas e eis que chega o grosso do nosso pelotão. Todos animados saltamos para o laranja voador.
Conversas animadas, troca de experiências, expectativas e, acima de tudo, boa disposição de todos.
Chegados a Milão, depois de uma viagem de autocarro de 50 kms, o nosso maior obstáculo mostrava toda a sua imponência: 33º!
Uma semana antes, todos comentávamos que, os esperados 22º eram um exagero, que a baixa humidade relativa, combinada com o calor, levaria a que o esforço despendido tivesse que ser superior, etc. e tal, e eis que se confirmavam os nossos temores.
Sem deixar de passar pela fantástica nave principal da Estação Central de Milão, fomos em busca de um sítio para almoçar. Distribuídos pelas mesas disponíveis, rapidamente devorámos massa e pizza para repor energia, recarregar e voltar ao caminho.
Enquanto alguns foram de metro para o hotel, eu e mais os Jotas (de João: Meixedo, Morais, Freitas e Vieira) acompanhados de um outro companheiro de viagem português que conhecêramos no avião, fomos a caminhar debaixo daquele calor de matar. Guiados por uma bússola de um Iphone, lá fomos caminhando pelas ruas e avenidas de Milão até ao nosso destino. Pelo meio, uma incursão por uma das imensas gelatarias de Milão, onde encontrámos iguarias suficientes para nos baixar a temperatura.
Chegados ao hotel, surpresa: Algumas reservas não existiam. Confusão instalada. Telefonemas, mais telefonemas, boa vontade e lá se arranjou solução.
Entretanto, eram quase 18h. Tínhamos ainda que ir levantar os dorsais e eu, que estava ainda a 4 estações de metro de distância do meu hotel, ainda tinha que ir fazer o check-in. O Vasco Batista lá se disponibilizou para levantar o meu kit da maratona, e assim, fiz-me ao caminho, prometendo regressar às 20h, depois de uma refrescadela.
Depois de um agradável jantar na Via Dante, lá fomos todos descansar o esqueleto de um estafante dia, que já ia bem longo.
6h. Saltei com o ti-ri-ri-ri do Nokia, sempre irritante. Saltei ainda mais com ten-ten-ten do Blackberry. É curioso como, quando queremos muito estar a horas em qualquer lugar, até levamos mais que um despertador…
Primeira contrariedade, o pequeno-almoço só seria servido depois das 7h30. Impossível esperar. Era arriscado, não dava para ir ter com o resto do pessoal, como combinado, e estar a horas na partida, que era um pouco distante.
Cheguei ao Genius hotel, para deixar a minha bagagem, já que, como regressava ao Porto nessa noite, fiz o check-out do meu hotel, às 7h15. O João Meixedo disponibilizou o quarto para o banho depois da prova e para ali deixar a mala, mas quando bati à porta, já lá não estava. Desci e deixei-a na recepção, na esperança que ali estivesse quando regressasse.
Entretanto acumulava erros e lapsos. Não tinha tomado pequeno-almoço, tinha bebido pouca água na véspera, caminhado sob um sol abrasador, e descansado pouco devido ao excessivo calor.
Enquanto esperava pelo metro que me levaria a Rho para a partida, comi o que tinha: 3 barras de cereais e um gel que vinha no kit da maratona e dizia ser indicado para esforços prolongados, desde que consumido entre 1 a 2 horas antes. Enfim…
Chegado à partida, primeira alegria: água! Bebi 2 garrafas e levei outra na mão. Primeira preocupação: Tinha deixado os protectores dos mamilos no hotel. Toca a procurar, junto com a malta do Douro Azul, que me acompanhara na viagem até ali, alguém com vaselina ou pensos. Nada! Só latas e boiões de vaselina vazios. Já imaginava o quanto iria sofrer com o tecido a roçar, começar a sangrar, e com a água… Ufff! O peito a arder é horrível. Acho que é pior que uma cãibra. Enfim, em busca de alguém que me salvasse, encontro, finalmente, o Carlos Rocha. Com o ar mais desesperado do mundo enquanto o via deixar o saco com os seus pertences, no camião que os recolhe e leva para a chegada, ouvi-o dizer que não tinha nem pensos nem qualquer creme protector. Espera, diz-me. O Pedro é capaz de ter. E tinha. Uns milagrosos pensos para calos da compeed (merecem a publicidade) doados pelo Pedro Viana.
Fiz-me à partida. Com um tempo de maratona fraco, fui colocado na parte de trás do pelotão. Demorei uns 3 minutos até cruzar a partida.
Mais um erro: Depois de arrancar, vejo uns tipos com uns balões na cabeça que diziam 4h45. Nem pensar, disse para mim mesmo, tenho que ir em busca do das 4h. Vi mais balões à frente, fui passando balões, 4h30, 4h15… Não vi mais nenhum. Vou muito lento, pensei. Ali vou eu a acelerar (palerma), cruzo-me com o João Vieira (excelente estreia) e o João Mota Freitas que o acompanhava, pergunto para que tempo correm, dizem-me sem expectativas de tempo, que queriam apenas chegar ao fim, o tempo final é o corolário dessa vontade. Ok, pensei. Ou ficas e tens companhia, ou então fazes o que já te disseram muitas vezes, vai no teu passo, não exageres, nem fiques, nem aceleres, mantém um passo. Olho para o Garmin, vejo que estava mais próximo dos 6/Km, decidi ir atrás dos balões das 4h. Disse-lhes, prevendo um desfecho fatal, que ia indo e eles apanhavam-me mais à frente.
Um pouco antes da incursão pelo centro histórico da cidade, onde nos cruzávamos com atletas que tinham, seguramente, mais 3 ou 4 kms que nós, cruzo-me com muitos colegas de equipa, com um cumprimento especial ao Meixedo. Ia bem, como sempre. Mais um grupo de runners, entre eles o nosso presidente, todos em excelente ritmo.
Junto à Catedral de Milão, a nossa claque. Nunca falham no apoio. Que bem que soube aquele banho de reconhecimento, a nossa camisola é uma responsabilidade, que nos é recompensada pelo carinho e força transmitido por todos.
Até ao Km 30 corri num ritmo consistente entre os 5 minutos e 20/Km e os 5’45. Mesmo a parar momentaneamente em todos os abastecimentos para beber isostar e carregar uma garrafa de água, consegui, até ao km 30 manter um ritmo consistente. Nos 5 kms seguintes oscilei entre os 6’ e os 6’30, já depois de ter enjoado completamente ao gel, fruta e isostar. Antes, no abastecimento dos 30 kms o João Vieira e o João Freitas passaram por mim, deram-me força, e eu tentei, mas as pernas…
Abrandei, andei a passo, pensei em tudo e mais alguma coisa. Vejo um espanhol cheio de cãibras, todo esticado, fico com ele uns instantes, estico-lhe os pés, dou-lhe uma esponja com água e digo-lhe que aquilo não é lugar para desistir. Lembro-me de repente da Jangada de Pedra do Saramago, agarro no Jimenez e ali fomos os dois amparados nas fraquezas de um e do outro. Foram uns arrastados 5 kms a 7, 7’30. O espanhol definitivamente ficou no chão, agarrado à perna, ao km 40. Eu segui com duas garrafas de água nas mãos. Fui passando gente, ganhando forças sei lá onde, e acabei debaixo daquele sol escaldante com um sprint de 1 km a 6’11, o 42º, e mais 600 metros a 5’32. Foi um final à Porto Runner.
Melhorei o meu tempo nos 42,195 km em 14 minutos, não conseguindo, contudo, baixar das desejadas 4h. Mas 4 anos apenas depois dos 134kg, correr uma maratona com uma média de 5’58/Km, não deixa de ser motivo de orgulho.
Dos 4025 atletas que iniciaram a prova, 3403 chegaram à meta. Fiquei em 2372º lugar da geral, acham mau?
Um obrigado a todos os que me ajudaram na preparação para esta empreitada. Não fico por aqui. Vou continuar, porque a corrida já faz parte da minha vida.
O Porto Runners é já o meu clube. A todos vós um muito obrigado por me terem recebido de braços abertos.
Grade Rui. Li todo o teu relato e várias vezes me arrepiei. Só quem se mete nisto consegue sentir o que nos vai no corpo e na alma. Continua a correr com essa vontade e boa disposição. Vais contagiar quem nunca experimentou este prazer e ficares mais feliz por saberes que é esse o caminho certo. 1 abc. Vitor Dias
ResponderEliminarFantástico Rui! Que grande exemplo és para todos nós... sem dúvida! Fiquei deliciado com o teu relato e obrigado por partilhares connosco esta tua enorme proeza. Um grande abraço,
ResponderEliminarLuis Sousa Pires
Passei muito depois de ti ao KM 40 e o espanhol ainda lá estava, com a cabeça apoiada numa tampa de saneamento e 3 socorristas à volta.
ResponderEliminarUm abraço e parabéns pela prova.
Miguel Barbot
Vitor e Luis: Vocês são dois exemplos a seguir, dois atletas que se sacrificam por uma paixão, que eu também abracei, graças aos dois. Considero-vos amigos. Um abraço e venham as próximas, um dia acompanhar-vos-ei.
ResponderEliminarMiguel, se passaste pelo Jimenez, acabaste. Esse é um feito que ninguém nos tira. Espero que o pobre do espanhol tenha conseguido fazer os últimos 2 kms, só quem faz uma maratona sabe que não são os mais fáceis, mas... Parabéns pela tua prova!