Esta não é uma crónica jornalística, nem pretende de qualquer forma fazer juízos depreciativos acerca da prova que a titula. É a minha crónica, a redação pessoal da prova do passado Sábado.
Era a minha 15ª participação em Maratonas ou Ultra-Maratonas. Das 15, seria a terceira que não terminaria, mas também a primeira onde mais vezes me convidaram a desistir.
Nas duas ocasiões em que tal tinha acontecido, uma foi por a prova ter sido interrompida aos 21 km, no Grande Trail Serra D’Arga de 2011, e a outra devido ao nevoeiro nos últimos 10 km da Ultra da Freita de 2012. Ou seja, nunca por minha iniciativa desisti de sofrer ou lutar. Sim, porque ainda não fiz nenhuma Ultra (e já fiz algumas) em que não tivesse que lutar contra as minhas fraquezas e/ou percalços físicos.
Esta era uma prova especial, era a primeira ultra que repetia, tendo sido a minha estreia em provas deste grau de dificuldade, há um ano, a primeira que fizera e terminara com 9h.
Este ano, devido às vicissitudes da meteorologia, adivinhavam-se dificuldades acrescidas. Sabia de antemão que teria lama, muita lama, água, árvores caídas a obstaculizar os trilhos, enfim, sabia que ia ter de me aplicar a fundo para fazer os prometidos 45 km.
Cometi alguns erros, sendo o mais grave, e aquele que tenho repetido (Einstein dizia que a maior burrice é repetir um erro à espera de um resultado diferente) o de comer pouco. É um erro que repito de há algumas provas para cá, embora coma o mesmo que comia antes. O problema é que, tendo perdido muita gordura nestes anos, o organismo, quando falta a “gasolina”, não tem muito onde ir buscar. As minhas reservas são já escassas, sendo a alimentação mais importante que nunca. É horrível sentir o que senti aos 13, 14 km dos Abutres, quando subia uma zona de rio, com lama que dificultava a progressão, uma falta de força generalizada, com os olhos turvados pela falta de energia. Tinha ido até ao abastecimento dos 9 km com o grupo do ano passado (João Paulo Meixedo, Joana Leite e Miguel Santos) em amena cavaqueira e permanente galhofa. No dito abastecimento quase não comi. Tostas com mel, marmelada, banana e laranja; nem lhes toquei. Algumas batatas fritas e uns amendoins, enchi os cantis e segui caminho. Ali, meio desfalecido e com o apoio dos atletas vassouras da prova, lá comi um gel e bebi isotónico. Mas, passado pouco tempo tive de parar. Sentei-me numa paragem de autocarro, num cruzamento com uma estrada, e comi uma sande de presunto que trazia na mochila. Reabastecido, lá arrancamos de novo, e ao fim de uns km já os ultrapassava a subir e corríamos a descer e em plano. A energia estava restabelecida. Chegados ao PA (posto de abastecimento) 2, nas Mestrinhas, Km 18, pouco depois de ter passado o controlo junto à Barragem, encontro 2 atletas que ali ultrapasso e que, ora me passaram ou os ultrapassaria dali até ser barrado ao km 38. Revitalizado pela sande de presunto sigo caminho monte acima, corta-fogo inclinadíssimo abaixo, nova subida, descida com muita água e finalmente a descida do downhill. Entre tombos e sku, lá cheguei a mais um PC (posto de controlo), com cerca de 6 horas de prova. Marcam-me o dorsal e dizem-me “pouco mais de um km e tens o abastecimento”. Sigo em passo de corrida, atravesso mais uma estrada, subo para o PA 3, anunciado aos 24 km, mas já com 28. Ali entrado, apenas 10 minutos depois do dito controlo, dizem-me que estou fora de tempo (!!) e que, a querer prosseguir ia à minha responsabilidade. Como é lógico, depois de uma luta intensa, não era ali que ia ficar. O Vasco Batista que ali tinha estado a tirar fotografias o dia todo, prontifica-se a ir comigo. O abastecimento pouco mais tinha que os anteriores: Marmelada, tostas com mel, laranjas e bananas. No ano anterior, antes da segunda dificuldade havia, se bem me recordo, sopa. Foi ali que, um ano antes repus energia para enfrentar a segunda parte da prova. Este ano diziam-me que estava fora de controlo e podia seguir à minha responsabilidade. Tenho 40 anos, idade para ter juízo, mas ninguém tem o perfeito juízo numa altura daquelas. Nem comi. Arranquei trilho fora, com os avisos do Vasco que aquilo ia doer, que eram 6 km sempre a subir. Lá fomos. Tiramos umas fotos junto às monumentais quedas de água, aproveitei para refrescar os músculos, e cerrando os dentes, lá fui trilho acima. 2 km depois novo sentir de pouca força. O Vasco dá-me uma pastilha de isostar, rejuvenesço para enfrentar o resto da subida. No Parque eólico, no meio do nevoeiro, controlo. Marcam-me o dorsal e perguntam-me: “Ficas aqui?”, apontando para uma carrinha com alguns atletas dentro. “Aqui?”, pergunto eu. “Depois de subir isto tudo? Nem pensar”, retorqui. Arranquei em passo de corrida com o Vasco. Ali no cimo da Serra fazia frio, o vento era mais forte e estava nevoeiro. Metemos passo de corrida, iniciando um serpenteado espectacular no meio de um bosque, onde, divertidos corríamos a sorrir. Nova descida técnica, mais rio e lama, mais quedas e eis que começa a anoitecer. Nova subida, agora a temida subida da Póvoa das Leiras (acho eu), onde subíamos agarrados a cabos presos nas rochas. Já com os frontais ligados e comigo a preocupar o Vasco, de tão esgotado me sentir, chegámos a umas placas que indicavam “15 minutos de trilho a subir”. Agarrado à placa, respirei fundo e comi mais uma pastilha. Apesar do Vasco temer que eu ali ficasse, não me sentia assim tão desfalecido. Estava menos mal do que tinha estado aos 14 km. Arranquei lento, passámos por uns bombeiros que nos anunciaram o abastecimento a 1 km. Ao chegar a Gondramaz, já no final da subida, ouço a Lina Batista dizer “Anda lá que agora vais de carro”. Chegado junto do que tinha sido um PA e de controlo, e cujo tempo limite de chegada era de 8 horas, dizem-me que já não me deixavam passar. Resignado, entrei no carro e regressei a Miranda do Corvo. Faltavam pouco mais de 8 km a descer. Terminaria muito provavelmente com mais de 12 horas, sendo o limite 11. Às 18h50, 10 horas depois de partir, acabava a minha prova.
Reconheço que errei. Tenho errado nos dias de provas, por não comer. Não tenho por hábito fazer treinos longos de manhã, prefiro correr ao fim da tarde de Domingo, depois de um almoço mais reforçado. Em dias de prova, mesmo não tendo apetite devemos reforçar o pequeno almoço, coisa que não fiz. O facto de ter já mais de uma dezena de maratonas e ultra maratonas, levou-me a ser menos rigoroso também com a preparação. Reconheço agora que fazer, 9 dias antes de uma prova como esta, um treino bi-diário de 30km + 12km não foi provavelmente muito inteligente. Mas eu gosto imenso de correr. Reconheço que não treino, o treino requer rigor e planeamento. Eu corro à aventura, por isso gosto tanto do trail. E sinto-me imensamente feliz por correr. E chega-me. Já sei que sou capaz, que posso fazer melhor, mas será que me sentirei mais feliz, mais realizado? Não me parece. O que vier é lucro em cima de ganho.
Quanto à prova e à organização em particular, devo referir alguns pontos que me parecem pertinentes referenciar. Não que me sirvam de desculpa em relação ao que se passou no meu caso particular no último Sábado, mas para que sirva como reflexão e para ponderar.
Tempos de Passagem e marcações
Srª Piedade de Tábuas – 5h
Gondramaz – 8h
Espinho – 9h30m
Meta– 11h
Se estavam a contar com dificuldades acrescidas devido ao mau tempo dos dias anteriores, seria aceitável que ampliassem os tempos limite. Contudo, mesmo que não o fizessem, deviam ter marcado os troços finais com sinalização nocturna. Houve imensos atletas a acabar a prova de noite. Todos sabemos que, caso a sinalização não seja adequada, a progressão torna-se mais lenta, atendendo à tecnicidade dos trilhos. No restante percurso, era suficiente e bem marcada, faltando apenas as placas indicativas do km do percurso.
Os tempos apresentados como limite deviam ter sido aferidos por alguém que fizesse o percurso por completo. Dar 8h para fazer o mais difícil do percurso, onde se concentra a quase totalidade do desnível positivo, 38 km, e depois permitir fazer pouco mais de 8km, a descer, em 3 horas, não me parece nada apropriado. Em relação ao tempo limite de prova, as 11h, mais uma que na edição de 2012, pareceu-me pouco, visto que, a maioria dos atletas demoraram mais que no ano anterior a percorrer todo o percurso. Atente-se como exemplo a quantidade de atletas a terminarem com mais de 9 horas relativamente ao ano passado. Se em 2012 houve quem terminasse com 11 e mais horas, seria prudente e expectável, com as alterações introduzidas, que mais houvesse este ano. Foi provavelmente por isso que obrigaram a que os atletas tivessem frontal.
Abastecimentos e Condições logísticas
Todos os voluntários, bombeiros, organizadores e população estão de parabéns. Pessoalmente, sabem receber, são simpáticos e prestáveis.
Quanto aos abastecimentos, não me parecem adequados à dureza da prova. Já aprendi que não nos podemos fiar numa organização; mas tostas com mel, marmelada, bananas e laranjas, não são suficientes numa prova deste calibre. O ano passado houve sopa e sandes, este ano nada. Pelo menos, para quem vinha no fim do pelotão.
No Pavilhão, a exemplo do ano anterior, não havia água quente. Imperdoável. Depois de um esforço daqueles é o mínimo que se pode exigir.
O jantar era adequado.
Resumindo, numa conjugação infeliz de percalços e erros, acabei por falhar a meta pela primeira vez, por responsabilidade minha. Parece-me contudo que, mesmo que tivesse chegado a Gondramaz 1 hora antes, teria de enfrentar igualmente no breu, a descida até Espinho e os trilhos até Miranda. Houve uma conjugação de falhas, ou de imprevistos, que não deviam acontecer. No limite, e prevenindo desde já futuras edições, com a mais que possível abundância de chuva, seria prudente terem um percurso alternativo por estradões, à semelhança do ano transacto. Seria também útil começar a prova mais cedo. Os dias são demasiado curtos em Janeiro para tanta dureza.
Fica a vontade de voltar aos Trilhos dos Abutres. São trilhos lindos, com quedas de água espectaculares e algumas paisagens de cortar a respiração.
Parabéns aos vencedores e a todos os que terminaram. Honra seja feita aos demais, que mesmo não tendo terminado, se fartaram de lutar naquele imenso rinque de lama e água.
A corrida por montanha está em crescimento, e também estes episódios contribuem para que este crescimento aconteça. As dificuldades são o sal destas provas.
Até ao próximo empeno!