Havia um texto que se impunha. Depois da fábula que ilustra a epopeia que foi o UTSF deste ano, impunha-se um outro, um pouco mais sério, e que serve para explicar a alguns indignados, que o que fica destas aventuras, são os momentos de superação coragem, desportivismo e principalmente de camaradagem e solidariedade.
Para mim, todos os que fizeram o UTSF, fosse até que km fosse, são tão dignos como os que acabaram a prova dentro do tempo limite, porque quem lá esteve sabe o inferno que aquilo foi. Houve por parte da organização alguma tolerância relativamente à insistência de alguns atletas em quererem acabar a prova. Depois de um esforço extremo de 65 km, decidiram não obstaculizar a progressão a alguns que, querendo concluir, fosse dentro ou fora do tempo, pelo trilho, pela Mizarela, por Albergaria da Serra, não queriam fazer 5 km de carro. Foi, como relatei, o meu caso, dos que estavam comigo e de mais 13 atletas, 16 no total, que foram classificados primeiro com mais que as 18 h de tempo limite, e posteriormente desqualificados devido a reclamações de alguns. Nada contra. Eu próprio não me considerava finisher, apesar dos 72 km que trouxe nas pernas e dos mais de 6600 mt de acumulado, 3300 deles positivos. A classificação de uma corrida não faz o atleta. O que faz o atleta são atitudes como a do Albino Magalhães, que apesar de ser dos mais rápidos do pelotão, abdicou da sua prova para auxiliar um atleta que abrira a cabeça no túnel junto a Rio de Frades, apoiando-o e buscando socorro, ou como as de tantos outros que, abdicando de alguns minutos na sua prova, fizeram questão de ser o apoio essencial para quem tanto dele precisava. O que faz um ultra, é a persistência de tantos que, como o Joaquim Adelino, todos os anos treina mais e mais para concluir esta enorme prova, e mesmo não o conseguindo, tem a coragem de se apresentar à partida com a esperança de matar o borrego. O que faz um ultra, são atitudes como a do Pedro Amorim e do Luis Sousa Pires, que apesar de barrados foram concluir o trajecto em quase 20 h. O que faz um ultra, são atitudes como as que tiveram os voluntários da prova, enchendo cantis, apoiando, quase dando-nos de comer à boca. O que faz um ultra são horas à espera na meta à espera que chegue aquele último atleta, agarrado ao bastão torcido, com o maior sorriso do dia. O que faz um ultra é a persistência nos treinos, a vontade de melhorar, a paciência para evoluir e a sabedoria de aprender. Não são classificações. Essas fazem campeões, os vencedores somos nós próprios que temos que o ser.
Não quero deixar de agradecer aos que proporcionaram e aos que me acompanharam nesta enorme aventura:
Ao João Meixedo, que vou aturar até velhinho, por nunca me deixar desistir e pela companhia permanente. Ao Carlos Natividade e à Naná, que como já referi, são uma referência enquanto pessoas solidárias, líderes e inexcedíveis; a Naná no apoio logístico e na amizade, o Carlos como mestre que pacientemente nos ensina a respeitar a montanha e a superar as dificuldades que ela nos impõem. Ao João Lamas pela companhia nos primeiros 30 km, onde pusemos a conversa em dia, e nos permitiu queixarmo-nos da dureza dos Trilhos dos Abutres, que superiormente coorganiza. Ao Pedro Amorim e ao Luis Sousa Pires, que nos fizeram companhia entre os 20 e os 50 km, sempre animados, numa tertúlia permanente que mais parecia estarmos numa conversa de esplanada, não fossem as dores nas pernas. Por último à Célia Azenha, renomada ultra maratonista (de estrada tem 42, de montanha já lhes perdeu a conta), que conta no curriculum, por exemplo, com 4 ultras de 100 km em 4 semanas (Maio de 2012) e que é uma alegre companhia para uma qualquer epopeia; sem dúvida uma força da natureza, uma destemida e determinada atleta.
Aos organizadores, não me canso de os elogiar. Desde o Moutinho, que nos faz todas aquelas maldades, todos os Leões do Veneza, que à imagem da Flor e do Carlos Madureira são inexcedíveis sempre no apoio aos atletas, passando pelos voluntários recrutados especialmente para esta prova, todos foram espectaculares. Não posso também deixar de referir que não é à toa que quase todos os confrades da Confraria Trota Montes estão integrados na organização, sendo determinantes no apoio operacional aos atletas, demonstrado por exemplo, nas “fontes” que o Asdrúbal Freitas inventou entre Drave e o início da subida para os 3 Pinheiros, fundamentais para quem, como eu, ali passou no pico do calor, ou na preciosa ajuda do Marco Silva no Rio Paivô, para contornar uma enorme rocha, e mesmo nos imensos quilómetros que terá feito o António Santos no abastecimento de Drave, para ir encher os garrafões com água fresca.
Parabéns aos vencedores, Luis Mota, que é uma certeza do nosso pelotão, à Ester Sofia Alves, que se revela cada vez mais uma exímia e eclética atleta, e que deu uma demonstração de inteligência, respeitou a Serra, conseguindo assim vencer uma exigente prova, pouco mais de 1 mês depois da exigente Ultra da Madeira, e apenas um par de semanas após a vitória no Gerês Grandfondo em ciclismo. À semelhança do Luis Mota, consegue vencer em várias vertentes. É bom ver novas caras a triunfarem no trail, e foi óptimo vê-la no final, fresca como se tivesse estado nas termas.
É isto tudo que fica de uma prova como a Freita. A placa de Lousa no fim, ou “Google Doc” com as classificações, pelo menos para mim, que há pouco tempo não sonhava sequer em me inscrever em coisas destas, são apenas símbolos e letras.
Ficam as amizades, as recordações, a superação, o esforço, e fica principalmente a vontade de fazer muitas loucuras destas. Cada vez mais.
Façam o favor de serem felizes. Como diz esta música, só temos uma vida, vamos vivê-la o melhor possível.