terça-feira, janeiro 28, 2014

Trilhos dos Abutres 2014

O Trail é uma religião!

Como em todas as religiões, há santuários, lugares míticos, que pelo seu ambiente particular, os tornam destino de peregrinação de todos os seus fiéis.
No trail português, com tanta celebração que por aí há, já podemos inclusive separar as épocas exactamente pelos tempos. Por exemplo, na religião católica, temos o Advento, o Natal, o Tempo comum, Quaresma, Pascal e de novo o Comum, que é o único que repete. Digamos que. em termos comparativos, teremos uma nova celebração na Serra da Lousã, lá para Outubro, com a realização do Utax, fazendo desta Serra um dos principais destinos dos fiéis deste apaixonante desporto, cada vez com mais crentes desejosos de baptismo.
Como na religião comparada, há também no trail algumas seitas, imensas paróquias, beatas, cardeais, bispos e papado. Eu devo ser beata, que não saio de lá, mas vou pouco ao altar (leia-se pódio), e não consigo sequer aceder à cúpula da minha Capela, muito menos ao presbitério. Sou crente, porque acredito, insisto, e levo com cada homilia (leia-se empeno), que sabe Deus...  
Este texto é alusivo aos Abutres, conhecida Congregação desta fé que processámos, que, dizem, tem costumes ancestrais ligados às punições de heresias e bruxarias, com autênticos calvários desenhados nas bordas das ribeiras, fazendo inclusive brotar da terra imensos mares de lava gelada, onde os menos crentes se enterravam quase até à cintura, de onde partiam em retiro, mirando os pés, rumo ao ponto mais alto da Serra, onde, em purgatório, eram fustigados com fortes nevoeiros e ventos cortantes. Imponentes guardiões, homens e mulheres de vermelho rasgavam o verde envolvente indicando o caminho para a salvação.
De novo mergulhados nas profundezas dos ribeiros, com os corpos chicoteados contra o castanho lamacento, quedas de água gigantescas, adamastores espalhados por todas as encostas, obrigavam os fieis a contorná-las impiedosamente, sem fuga possível, rumo à ancestral terra dos guardiões da sabedoria da Congregação, o Corvo.
Claro está, que para além dos mártires que foram engolidos pela imponência de atroz penitência, houve alguns santificados pela gloriosa natureza, que planaram sobre todos estes castigos, fazendo da provação questão de fé, entrando assim na restrita congregação dos "Illuminati", gente misteriosa que, em metade da punição, alcança a glória.
Imensas paróquias estiveram presentes, umas mais conhecidas que outras. Há congregações para todos os gostos. Desde a Opus Dei, restrita, com celebrações próprias, onde só se entra com convite, até aos franciscanos dos pés descalços, equipa que com muito orgulho, eu e o Meixedo representámos, e que apelidámos "De Norte Feisse", para que os homens de pouca fé nos reconheçam. Os Vicentinos de Fora, que de lá vieram, eram quase mais que muitos. Havia até representantes de outras seitas, uns marcados, a observar, outros a tentarem passar despercebidos. Do resto reza a história, no sítio lá daquela Paróquia.

Houve festa bonita nesta religião que professámos.

Honra aos vencedores, glória aos vencidos, enorme respeito por todos os que ali participaram. Obrigado à Célia Azenha, que assistiu a um tombo meu, épico (que me custou o frontal e o GPS), de mais de 3 metros por uma ribanceira  abaixo, e que nunca mais me largou, quando respirar já era penoso, das dores nas costelas, quanto mais correr. Uma palavra para os que me acompanharam neste fim-de-semana, tertúlia incluída, José Moutinho, Flor Madureira, Carlos Madureira e João Paulo Meixedo. É sempre um prazer.

Parabéns aos Abutres. Fizeram um Calvário à maneira, com centuriões a guardá-lo e com tudo ao pormenor cuidado e previsto.

Em 2015 lá estarei. Não posso faltar à autêntica Vigília do Trail.


A terminar, junto com a enorme Srª e atleta exemplar Célia Azenha.

Antes de começar com o estratosférico Luis Mota, e o sempre presente João Meixedo

segunda-feira, janeiro 20, 2014

Viver é o tempo que passamos a construir os nossos sonhos

Este não é (mais) um texto de corrida. É pura dissertação filosófica de pensamentos, que normalmente fluem enquanto corro.
Noutro dia falava com um amigo, que me dizia para experimentar a meditação. Dizia-me que enquanto meditava, coisa que aprendera com mestres, a mente se soltava pelo seu universo, fazendo com que os pensamentos e sensações fossem de satisfação real, apesar de sonhos.
Eu, enquanto corro, sonho.
Sonho com os meus sonhos. Li há dias que, "a vida, é a definição do tempo que gastámos a construir sonhos", e concordo. Digo mais, vivemos pelos nossos sonhos. Sem sonhos nada faz sentido, ou faz pouco.
Sonhámos, enquanto crianças, enquanto imortais, com coisas que se tornaram fúteis agora que somos adultos. Lembro-me de sonhar com bicicletas, com bandeiras, com férias, com raparigas, com futebol, carros, brincadeiras. Lembro-me de sonhar acordado enquanto adolescente, com quase tudo o que é fútil e de racionalizar pouco, fosse o que fosse (para isso existem os Pais, ou os nossos educadores, que nos guiam e nos alertam para as nossas escolhas e decisões).
Já na idade adulta, e ainda imortais, quando tudo é eterno, quando os meses nos parecerem anos, vivi as experiências próprias da idade. Os namoros, as viagens, as férias, os primeiros empregos em bares, restaurantes, o serviço militar, os estudos...
Agora, quando os anos já parecem meses, quando as rotinas nos envolvem, os mais novos nos fazem sentir mais velhos. Agora, que já não somos imortais, continuámos a sonhar. Muitos ainda com os príncipes e princesas, outros com a felicidade num trabalho que seja compensador mais para a alma, outros para a carteira para que possam ir em busca da felicidade nos períodos de férias, ou na casa... Todos a sonhar com o mundo perfeito, seja para os filhos, irmãos, pais, famílias. Todos sonhámos.
Faz-me imensa confusão quando alguém me diz que não sonha, muito menos acordado. Eu sonho a correr. Se o meu amigo soubesse dava cursos de meditação com sapatilhas calçadas.
Nós somos todos o resultado dos nossos sonhos. A forma como os tentámos concretizar, iludidos por uma realidade projectada em sonhos, é que definiu a nossa maior ou menor realização. Mas a felicidade não vem daí, vem da capacidade de continuarmos a sonhar e acreditarmos num futuro melhor.
Quando nos resignarmos ao nosso destino, quando deixarmos de sonhar, passamos a somar dias à nossa existência.
Os dias mais felizes, aqueles que nos ficaram na memória, pelo menos na minha, há uma coisa de que nunca me recordo: Quanto dinheiro tinha no bolso ou na conta. É que para sermos felizes bastam-nos os sonhos. Por muito extravagantes que sejam não se pagam. Procurem-os, sonhem, ousem ser a personagem feliz que um dia sonharam.
Não esqueçam, viver é construir sonhos.