Este texto foi prometido a uma amiga ainda em Agosto. Pedia-me que descrevesse as minhas motivações, o que me tinha levado à perca de peso que iniciei mais a sério há quatro anos, e quais as mudanças mais significativas nas minhas rotinas diárias. Engloba tudo isso.
Tendo por recorde 36 rissóis (de carne) numa só refeição aos 12 anos, quando estava de dieta por suspeita de apendicite (as desculpas que eu arranjava para ir para a enfermaria do seminário no Inverno…(Sim, eu andei num seminário)), alguns 30 Bollycaos (aquecidos com manteiga), depois de desafiado por alguns amigos numa noite de copos, aos 19/20, altura em que, quando os outros iam aos panados à Mobil (bomba de gasolina de uma marca já extinta, que ainda existe na Avenida dos Combatentes, ali para os lados das Antas) eu comia um, muitas vezes dois Dan Cakes de chocolate (sim daqueles de 400g), era certo e sabido que havia de chegar a obeso. Não foi logo, mas aos 25 anos, quando deixei de jogar futebol de 11 e passei exclusivamente ao Futsal, e que coincidiu com o fim dos treinos de ginásio, rapidamente os meus maus hábitos alimentares me levaram a aumentar de peso.
(Futsal, esse desporto de sofá)
Foram em média 5 kg por ano. Parece pouco, mas em 10 anos, levou-me à estupidez de não poder baixar-me para apertar os cordões. Nunca me senti infeliz. Sou de riso e piada fácil, tenho por hábito andar bem disposto, a minha profissão implica contactos permanentes com muitas pessoas, em muitos lugares do País e de outros países, o que proporcionava sempre repastos fartos e completos, onde se ultimavam negócios ou se reconfortavam parcerias.
Um dia fui comprar um fato. Era grande. Mas os fatos são sempre grandes, nada de alarmante. Comprei umas calças. 60. Fui-me pesar e vejo 137 kg. Assustei-me.
(Sim, sou o da direita)
Assim, dificilmente não teria complicações de saúde em breve. A juntar a tudo isto era fumador. Tinha no tabaco um amigo, um companheiro de viagens, um reconfortante escape para o frio, para o calor, para a cerveja geladinha, para o copo de vinho, para tudo. Comecei então uma nova tentativa de dieta. Já tinha tentado algumas. Tinha havido uma altura em que ia para a piscina diariamente. Durante uns meses dediquei-me à natação. Fazia 60 piscinas de 25 mt na especialidade bruços. Emagreci, mas pouco. Veio a Primavera, a piscina era muito quente, um ambiente fechado, preferia o mar. Mas o mar era frio. Deixei e esqueci. Continuava o futsal. E voltei ao volume normal.
Um dia, vendo uma amiga emagrecer, perguntei-lhe o que fazia. Apresentou-me uma marca de batidos substitutos de refeição. Durante um ano fiz religiosamente a substituição do jantar por um batido. Perdi 8 kg. Ao fim de um ano deixei de fumar. Foi há 4 anos. Com medo de recuperar o peso perdido comecei a correr. Comprei equipamento adequado, e todos os dias corria 4 km, normalmente de madrugada, às vezes a altas horas da noite, sempre de maneira que não me vissem. Admiro as pessoas gordinhas que correm desavergonhadamente. Mas parecia-me melhor ter de correr tão lentamente com poucas testemunhas.
A corrida levou-me às escolhas acertadas dos alimentos. É inevitável. Quando começamos a correr, consultámos sites de corrida, compramos revistas, equipamento, chegámos a trocar impressões anonimamente em sites de corrida, e depois, inscreve-mo-nos em provas. Foi o que eu fiz um dia. Numa prova de 7 km. Fui, fiz a prova, fui desafiado por um amigo a fazer uma 1/2 maratona e treinei para ela. Achei-me um atleta depois de a concluir (ainda com mais de 115 kgs. Um ano depois fazia a minha primeira maratona, aí já a rondar os 100. Peso neste momento 85 kg, e já completei 5 maratonas de estrada e 6 ultras de montanha.
Desde o início deste ano que ando entre os 83 e os 87. Peso o mesmo que há 20 anos, mas com muito mais qualidade de vida. As loucuras à mesa moderei-as, o tabaco deixei-o definitivamente e o exercício físico tornou-se num saudável vício e num escape ao bulício do dia-a-dia. As minhas escolhas alimentares são as que me permitem ter mais saciedade, embora fure muitas vezes a dieta exemplar do atleta. E não sou caso único. Saber o que comer é fundamental, comer aquilo que nos dá prazer também. Só não o faço todos os dias, ou todas as semanas. Mas não abdico de uma francesinha de vez em quando, ou do bolo de bolacha da minha mãe (com creme de manteiga, perfeito), ou mesmo de um repasto típico português em ocasiões especiais. Evito os excessos mas não excluo alimentos. Os erros não passam de prémios. É tudo uma questão de equilíbrio.
A vida é equilíbrio. Eu encontrei o meu. E se eu, com um histórico tão “pesado” consegui, só não consegue quem não tentar e não quiser insistir. São muitos os momentos em que queremos desistir, as tentações são muitas, há sempre desculpas para não fazermos aquilo que sabemos ser o mais acertado. O fatídico “é só desta vez” é o erro mais comum e usual de quem quer e precisa de perder peso. Durante muito tempo evitei excessos e alimentos que eu sabai me iam atrasar o equilíbrio que me levaria ao peso minimamente aceitável para poder almejar o sonho de correr uma maratona. Durante o período de treinos menos intensos tenho o cuidado de compensar com muita atenção ao que como, fazendo uma contabilidade dos erros ao pormenor de não excederem as escolhas acertadas. Uma boa forma de os evitar é, quando os estamos quase a cometer, comer uma peça da fruta que mais gostamos, ou um punhado de frutos secos. Normalmente, a vontade de comer um doce é apenas uma indução do cérebro a mostrar-nos o caminho mais curto para acalmar a “fome”, o açúcar. Aprendendo a contornar este impulso, facilmente se perde algum peso. O resto é disciplina e exercício físico. O nosso corpo está tão bem feito, que sempre que o fazemos ficámos com um sorriso rasgado, por mais que soframos. A vida de hoje em dia é tão sedentária que é fundamental o exercício. O resto é a motivação de todos os que reparam na nossa perda de peso e nos vão dando injecções de motivação para não voltar atrás. Sempre com metas alcançáveis, sem desesperar e de preferência com acompanhamento por um profissional. E idealmente devemos publicitar a nossa luta, para sermos ajudados e incentivados pelos que nos rodeiam. Vamos ter tentações toda a vida e a principal é aquela altura em que achámos que já não voltámos atrás. Conheço imensos casos, espero não ser um. E desejo o mesmo a quem, como eu, se decidir a travar uma luta contra o peso.
Estarei sempre aqui para ajudar no que puder.
(Foto Ultra Trail Nocturno Lagoa de Óbidos, Agosto 2012, 50 Km)
Daqui a umas horas chego aos 40 anos. Não podia ter escolhido melhor prenda. Saúde, vontade de continuar esta luta permanente e acima de tudo, gozar esta capacidade de me surpreender todos os dias, de poder suplantar sempre mais um obstáculo, de, como na corrida em que, quando estamos cansados nos limitamos a colocar um pé em frente ao outro, poder viver um dia de cada vez, sem a sensação de eternidade, mas com a consciência do fútil e do acessório em contraponto ao mais importante: Viver. E um obeso não vive, desespera por poder usufruir da vida que está para lá da comida. É um escravo da comida.
Obrigado a todos vós que me ajudam permanentemente neste caminho. Todos são determinantes e importantes para mim. Em todos encontro motivação para me suplantar. Em todas as vitórias, por pequenas que vos pareçam, e que sempre mas fazem sentir grandes, é um enorme passo na estabilidade desta forma de vida que desejo nunca abandonar. Não há dia que não recorde o meu eu que ficou para trás. Este de hoje é mais feliz, também graças a todos vós.
Obrigado!
Parabéns Parabéns
ResponderEliminar2 vezes visto que hoje fazes anos, e visto que está ai mais um belo relato da tua vida.
Com certeza que muita gente gostava de fazer o mesmo, mas para isso é preciso muita força de vontade.. continua com essa força!!
Bons treinos
Boas provas
Abraço
Obrigado. Quem o quiser fazer só tem de começar. Muitas vezes o que nos falta é o primeiro impulso.
EliminarAbraço!
Parabéns "Bombilla" :) Estás muito melhor assim! :) É preciso ter muita coragem, força e dedicação para chegar onde chegaste! Um excelente exemplo a seguir! E... chegaste à ternura dos Quarenta!!! Tudo de bom para ti :) Beijinhos AnaHenriqueta
ResponderEliminarBeijinhos Nokinhas! Obrigado! (Cá te espero, nos 40, que ternura tu já tens qb)
EliminarPá, só me ocorrem "lugares comuns", e como não me apetece escrever banalidades, que seriam contrastantes com a forma e com o conteúdo do que acabo de ler, vou pegar no telefone e dar-te um abraço sonoro e dizer-te o quão grande é o privilégio de contar-te como amigo; numa idade em que já vamos tendo dificuldade em manter os antigos, quanto mais fazer novos ... tu a entrares nos veteranos II e eu a despedir-me desse escalão.
ResponderEliminarAté já.
É verdade amigo. Cheguei ao escalão Vet., o dos verdadeiros campeões. Da paciência. Abraço!
EliminarCaro amigo Rui, desde o free-running da Cuca Macuca, que tenho o privilégio de me considerares teu amigo e já deste provas disso muitas vezes. Não tenho os dons da escrita que te reconheço, contudo sou muito mais feliz desde que te conheço e com esta "prosa" que aqui nos deixas, demonstras o quanto és feliz e a minha felicidade é sempre maior, quando me apercebo que os meus amigos o são. Muitas vezes te aponto como exemplo, não só pela tua luta contra o obesidade, mas acima de tudo, pela tua qualidade de Homem. Querer é poder e já mostraste que consegues. Grande abraço e uma forte canhota.
ResponderEliminarAmigo: És seguramente uma fonte de inspiração. A felicidade só é completa assim mesmo, quando todos o são. Grande abraço!
EliminarBrutal. Parabéns!
ResponderEliminarParabéns!
ResponderEliminarExcelente texto e excelente experiencial de vida a mostrar que quando se quer tudo é possível!
Vou dar destaque a este texto no Último Quilómetro.
Obrigado amigo Jorge. Forte abraço!
EliminarParabéns e muito obrigado pela partilha. Um texto que serve de inspiração a muitos.
ResponderEliminarCaro Rui, gostei imenso de ler o teu currículo,como cidadão e como atleta. Só os HOMENS de fortes convicções acreditam que são capazes, porque os fracos rendem-se facilmente a algo que se apoderou deles. Mas tu és mesmo forte. Abraço para ti e tudo bom na vida.João Santos.
ResponderEliminarOlá Rui Pinho, antes de mais parabéns atrasados pela entrada nos ..enta. Depois para dizer que esta tua história de vida é simplesmente fantástica e espero que seja uma inspiração para muita gente que a venha a ler. No fundo, com força de vontade quase tudo se consegue. Vou já colocar o texto no Google Translater para russo e enviar a um cliente/amigo meu ucraniano, que jogou volley há uns anos e que agora se encontra com cento e muitos quilos e quer perder peso, mas não encontra a força necessária para isso. Esta semana esteve em Portugal e eu acho que o consegui convencer a começar a correr - selamos um acordo em que daqui a uns meses ia fazer uma corrida com ele a Kiev. Pode ser que este teu testemunho o possa ajudar a motivar-se, talvez aquele click que lhe falta. Vou tb coloca-lo no meu blogue (espero que não te importes) para que outras pessoas tb possam ser inspirados por ti. Aquele abraço e boas corridas.
ResponderEliminarVamos a isso! Sozinho é sempre mais difícil! Abraço!
EliminarOlá Rui, só para dizer que a história com o meu cliente ucraniano não deu certo. O gajo ainda comprou umas sapatilhas, tentou dar umas corridinhas mas logo desistiu...diz que não tem tempo, muito trabalho...bem, as desculpas habituais de quem ainda não chegou ao ponto. Talvez um dia destes ele volte a tentar, talvez não...quem sabe. Ao contrário de ti, fez o mais fácil.
EliminarAbraço
Talvez vá ao X-Mas Trail em Gaia e aí tenha a oportunidade de te conhecer pessoalmente e tirar uma foto com um rei mago :)
É. O mais difícil é mesmo continuar, insistir e nunca desistir.
EliminarLá nos veremos no X-Mas Trail, seguramente. Mas acho que vamos ter muitas oportunidades ainda antes.
Um abraço!
Parabéns , meu caro amigo (permita-me que o trate assim ).Que grande exemplo de vida que eu acabei de ler , que bom ter este exemplo para mostrar que quando se quer nada é impossível. Naõ sei se vai a maratona do porto , se tal acontecer gostava de lhe dar um abraço por tão grande testemunho.Darei destaque no meu blog , pois hoje mais que nunca temos de elevar as coisas positivas .Um abraço e continue a ser feliz.http://amaranterunningteam.blogspot.pt/
ResponderEliminarClaro que sim. Não podia faltar à Maratona da minha cidade. Encontramo-nos junto ao Palácio de Cristal, eu e os restantes atletas do Porto Runners vamos estar lá para a fotografia de conjunto. Obrigado pelas simpáticas palavras. Grande abraço!
EliminarBiba, primo
ResponderEliminarAgora deixaste-em com vontade de calçar as sapatilhas, coisa que ando a adiar há alguns anos.
Grande Abraço
Zé Armando
Quando quiseres, aqui estarei para te acompanhar nos treinos. Só custa começar. Um dia que queiras, combinámos e vamos fazer uma perninha ao Parque da Cidade.
EliminarGrande abraço!
Uma história fantástica só possível porque vamos contando com o amparo e apoio dos amigos mais chegados e vocês lá do norte têm um grupo admirável que permite existirem "milagres" só pelo simples facto de se acarinharem uns aos outros e tornar possível os ténuos e secretos desejos de sermos como os demais. Longe de mim estava este testemunho de vida que aqui nos deixas, o que importa é que foste feliz no que fizeste até aos dias de hoje e sempre procuraste de forma consciente o caminho que te conduziu aos braços de tantos amigos que neste meio se transformaram numa família. De ti recordo a Freita com saudade quando o Meixedo me disse no final que passaram quase toda a prova a ver se me viam por ali, por certo a coisa teria sido mais fácil, pelo menos para mim, já que uma das minhas asas vinha empenada desde o 1º terço da prova. Abraço e até â Maratona do Porto daqui a 3 dias.
ResponderEliminarAmigo Adelino, já nos cruzámos em várias provas, mas é normal que eu, enquanto novato nestas andanças, repare mais facilmente nas figuras emblemáticas do pelotão, como é o seu caso. Em Sevilha quase cruzávamos juntos a meta, ainda o tentei puxar ali pelo km 40, mas mandou-me embora. Realmente na Freita passou uma bela oportunidade de termos feito a prova juntos, mas não coincidiu. Não faltarão oportunidades.
EliminarGrande abraço e até já!
Obrigada pela partilha e testemunho!
ResponderEliminarEspero vir a fazer parte do grupo dos corredores.
Bem-haja!
https://umcaminhoparatodos.wordpress.com/2012/12/28/corrida-de-s-silvestre-ideia-de-je-ou-ge/
O mais difícil é começar. Força! Se precisar da minha ajuda, disponha!
EliminarOlá Rui conheci-te a pouco tempo, e foi por causa das corridas,(ainda bem) quando falo contigo aprendo sempre algo.
ResponderEliminarTambém eu já pesei + de 110 kg e usava fatos 60 (deve ser um nº de alarme) depois disso só me voltei a pesar já com 105 kg e muito tempo depois. Hoje estou nos 78. Com vergonha de correr (não foste o único), criticas de quem dizia que eu era maluco e algumas lesões, cá vou continuar a correr e a encontrar-te atrás das Endorfinas.
quando conseguir, sei lá, correr um quilometro que seja sem chorar ou deitar os pulmões, juro que foi graças a este texto.
ResponderEliminarSophia (uma qualquer)
Granda master! És o maior.
ResponderEliminarFantástico!Irreconhecível,sem dúvida. Mts Parabéns!;)
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