sexta-feira, março 22, 2013

O outro lado dos Trilhos do Paleozoico

Agora, quase uma semana depois do evento, já com as pernas recuperadas de mais um empeno, resta a recordação de 5 dias preenchidos na ultimação dos trilhos que foram percorridos por largas centenas de atletas e caminheiros. Coube-me desta vez experimentar o outro lado das provas, o lado do frenesim constante para que nada falhe, o lado do stress estampado na cara do Director da prova, o lado das reclamações de quem participa e o lado da impotência perante factos consumados que não se conseguiram evitar, como a desagradável notícia de uma atleta que, infelizmente partiu a tíbia.

É digno de louvar o trabalho de quem se decide a montar tamanho “circo” quase sem apoios. Já o disse, volto a referir, o Luis Pereira e o Asdrúbal Freitas fizeram o milagre de, numa Serra que todos pensávamos conhecer, nos surpreender com trilhos fantásticos, abertos por eles, à mão, como pude testemunhar, quase sempre com uma tesoura de podar e uma sachola. Não se limitaram a marcar um percurso em estradões e trilhos existentes. Procuraram beleza que todos pensávamos não existir, e proporcionaram-nos uma nova prova que, esperemos, subsista por muitos anos. E pelo que vi, ainda há muito para mostrar.

Desde há uns meses, quando começaram os preparativos para a prova, organizaram treinos nos trilhos para que, quem se quisesse ir ambientando aos percursos, à dureza de algumas subidas, e também para ajudar a manter limpos e calcorreados os trilhos abertos, o pudesse fazer.

Disse na altura ao Luis Pereira que, ou me inscrevia e fazia a prova, ou lhe dava apoio no que fosse necessário. Claro está que tive de lhe ligar na véspera de começar a marcar os trilhos. O Luis é assim, reservado, sempre disposto a dar, mas pouco disposto a pedir. Andou até à última para apelar por voluntários para os abastecimentos, depois de lhe roerem a corda os que se tinham comprometido a fazê-lo.
Mesmo depois de começarmos a marcar trilhos, teve sempre alguma relutância em colocar nos ombros de outros a árdua tarefa de se certificar que nada falharia. Nada falhou, graças a todos os que colaboraram, e também graças a ele, que quando via um troço mal marcado, desmarcava e marcava sem o referir.

Na véspera da prova, depois de colocarmos marcações nos trilhos mais próximos de zonas habitacionais, eles voltavam a desaparecer. No dia da prova, o Marco Silva, Asdrúbal Freitas e o Miguel Catarino, foram para os três terços da prova para se certificarem que tudo estava marcado em condições. Os diversos voluntários, quase todos ligados à corrida, espalharam-se pelos diversos abastecimentos para assegurar o bom funcionamento de todos no apoio aos atletas. Nada faltou. Quando o Luis se apercebeu que podia faltar abastecimento em Couce, foi a um hipermercado nas redondezas e rematou literalmente tudo o que eram bananas, laranjas, água e coca cola. Rapidamente, e sem que ninguém chegasse a sentir falta de alguma coisa, chegaram os víveres aos abastecimentos.

Houve falhas? Claro que sim. Só não erra quem não trabalha. Mas ficou a sensação de dever cumprido, a sensação de que, tudo o que podia ser antecipado o foi e correu bem.

Na análise à participação de todos, depois de 2 dias a tirar fitas nos trilhos, devo enaltecer o civismo e urbanidade com que todos trataram a natureza. Foram poucos os invólucros de géis e outros lixos habituais que encontrámos.
Houve colaboração de todos com os membros da organização e houve bom senso e paciência de todos os que colaboraram.

Fica a vontade de voltar a participar, seja na organização, limpeza de trilhos, marcação ou a fazer vassoura, como fiz em metade da prova, tendo-a deixado ao Rui Barbosa para dar apoio em Couce.

Parece-me que os Trilhos do Paleozoico são já a prova de referência no Porto para quem se quiser aventurar em provas de trail em distâncias ultra. Uma prova de 43 km que passa por três serras (Sta Justa, Pias e Castiçal), com desnível acumulado de mais de 4000 mt, com passagens por linhas de água, single tracks, enormes paredes e descidas menos íngremes e mais longas. Quem não teve oportunidade de fazer a prova, aproveite e apareça num dos muitos treinos que se organizam ao longo do ano.

Obrigado ao Luís por me proporcionar a oportunidade de viver por dentro o reboliço da organização de uma prova, até ao descomprimir do “arrumar da casa”. Fiquei com a bela sensação que ganhei mais respeito por todos os que se esforçam por pôr uma prova de pé. E ganhei uma admiração especial pelo espírito altruísta de muitos atletas do trail, que abdicam de competir para apoiar. É como na montanha, um amigo que precisa da nossa ajuda, e que a tem antes mesmo de a pedir. Assim é que é bonito. Este é o nosso espírito, dos que fazemos trail. Estamos lá para proveito próprio, mas sem passar por cima de ninguém, e abdicámos do melhor para nós, pelo bem de mais alguns.

Bem hajam!

5 comentários:

  1. Gostei muito ... de ler e de participar ... e de ir interagindo contigo telefonicamente nos dias que antecederam e que se sucederam à prova.
    Ainda um aprendiz de feiticeiro nestas coisas do trail atrevo-me a começar a delinear a minha "playinglist" e não hesito em colocar sta prova no top 3, em termos organizativos, juntamente com a Arga e os Abutres.
    Penso queé desnecessário afirmar que na edição de 2014 lá estarei.

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    1. Belo testemunho...é com pessoas assim que a palavra partilha e humildade se tornam o expoente máxima da apixão e amor ao próximo... vivo a uns escassos metros do local da prova e a vontade de correr já é alguma apesar da preguiça, mas se para o próximo ano não a fizer a correr quero de certesa faze-la ao seu lado e ao lado de quem da de si para apoiar os outros. contem comigo. abraço e continuem assim. Diogo Barros

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    2. Obrigado João e Diogo! É aquilo que procurámos quando trabalhámos, o reconhecimento, agradável, de quem participa nas provas.
      Abraço!

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  2. Excelente, como sempre, a tua descrição é perfeita, parabéns pelo excelente trabalho, que só assim nos foi possível desfrutar desta minha linda Serra, que desconhecia grande parte.

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    1. Obrigado, Betty ;)
      A serra é realmente um poço de surpresas. Se tivesses feito a grande ainda te surpreenderias mais. Mas é questão de marcarmos um treino.
      Beijinhos ;)

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