segunda-feira, outubro 06, 2014

Maratona de Lisboa 2014

 

Meus caros. Este não é um blogue de corrida. Este blogue é definitivamente um blogue diferente. Aqui não vão encontrar planos de treino, nem dicas de nutrição, estratégias a adotar para aumentar os vossos desafios, ou equipamentos mais ou menos adequados para o conseguirem.

Até há pouco não pensava chegar onde cheguei ontem. Há um ano, em Sevilha, tinha finalmente, à 8ª tentativa, conseguido baixar das 4h à maratona. Na Maratona do Porto repeti a façanha (e o tempo, 3h57). Ontem tirei 20 minutos a este máximo. Como consegui? Seguindo a estratégia mais indicada para melhorar no que quer que seja: Praticando. Quem quer escrever bem, quanto mais escrever, melhor escreve; para ler bem, igual. Para se ser bom cozinheiro não se pode deixar de praticar. Para se correr melhor, o ideal é praticar. Exatamente como qualquer outra atividade. Com calma, paciência e prática, ficamos melhores.

Recordo-me de, há uns anos, na 1/2 maratona de Cortegaça, ouvir uma amiga comentar com outra pessoa, que apesar de uma noite de pouco sono e muito gin, tinha retirado quase 10 minutos à sua melhor marca. E não era uma marca qualquer, foi descer de 1h48 para 1h38. Já nessa altura pouca velocidade treinava, e já nessa altura ganhava aversão a planos de treinos e cuidados a ter para melhorar na corrida, pelo que aquilo me soou bem. Um dia, conversava com o treinador de uma atleta olímpica, que soltou uma gargalhada quando lhe disse que fazia séries. Aconselhou-me a correr muito, sem forçar velocidade; essa viria com a prática. E tem sido assim.

Apesar de todos os conselhos que vemos por aí, de todas as dicas que seguimos ao pormenor, dos planos “xpto”, para o tempo “X” à maratona, da suplementação, nutrição, descanso, equipamento… Muitas vezes tentámos e nada nos sai. Ou então somos mesmo predestinados e sai à primeira ou à segunda, e aí sim faz sentido treinar afincadamente para andar no top. Não é o meu caso. E se não é também o teu, esquece as revistas da especialidade, o site da marca “X”, o nutricionista, o personal trainer, o equipamento de compressão, os géis para a prova (há gente que leva cintos tão carregados que parece que vai para a caça) e o plano da corrida. A estratégia para ti só pode ser correr, correr e correr. Se gostas de correr, esquece os sacrifícios que vão para além da própria corrida (estou a comer croissants de chocolate enquanto escrevo este texto). Se não tens aspirações superiores às de conseguir correr, ou à simples compensação para a saúde da prática da corrida, esquece os pormenores e não desistas. Calça umas sapatilhas e corre. Não vais precisar de grandes cuidados quando chegares à altura em que correr será parte da tua rotina, como sentar no sofá, à mesa para comer ou ir à casa de banho. Não vais morrer por correr. Vais viver melhor com a corrida. 

diplomaLx

Toda a gente fala em planos de treino, estratégias, alimentação e outras lenga-lengas. Fará todo o sentido para quem quer ser profissional da corrida. Tal como qualquer outra profissão, a especialização exige regras.
Vou-vos dizer qual foi o meu plano de treinos. Nenhum.
Plano alimentar: Nada.
Pequeno almoço no dia da prova (calhou 2 horas antes): Leite com chocolate (sim, sim, o leite é de difícil digestão e tal…), 1 croissant de chocolate (muitos croissants como eu), pão saloio torrado com manteiga. Levei um gel para a prova, mas bebi-o antes. Bebi 1/2 litro de chá de limão durante a viagem de comboio para a partida.
Estratégia durante a prova: Colocar um pé sempre depois do outro e divertir-me naqueles 42 km entre Cascais e a Expo, com uma incursão pela Baixa pombalina. Passei o balão das 4h15 aos 8/9 km, o das 4h aos 20 e o das 3h45 aos 28. Não apanhei o das 3h30. Comecei devagar (passei à 1/2 maratona com 1h56, aos 10 tinha passado com 57’) e fui sentindo o corpo e as sensações. Sentia-me com pouca força mas lá fui seguindo pessoas que achava que iam com o meu ritmo, de preferência as mais lentas. A partir dos 20 km, já pouco importam os outros, basta ouvirmos o nosso corpo, sem olhar para o relógio.
Equipamento: Meias das mais baratas (compradas de véspera), umas sapatilhas com mais 2000 km (lá se vai a teoria das marcas), calções básicos de marca branca e t-shirt da última prova organizada por amigos que fiz. Ah! E proteção nos mamilos, que acabar uma maratona cheio de sangue não é bonito.
Falta dizer o que fiz nas semanas anteriores. Pouco descanso, muitos km, pouca “dieta”, fui-me mantendo feliz ao olhar para os pratos que me iam caindo à frente, vinho q.b. (muita água, que os músculos precisam dela) e correr sempre para recuperar. Descansar a correr, nem que seja preciso correr a 6’/km ou a 7’. Sexo, sempre que se proporcionar, sem restrições.

Este “ensaio” que fiz não é científico, até porque a amostra unitária não o certificaria, mas as pessoas que conheço que mais correm, melhor correm e mais rápido o fazem. Conheço quem tenha feito há 2 semanas mais de 150 km (eu só fiz 105), tenha também ido à Arga e feito os 53 e ontem tenha feito 3h10 na mesma maratona (parabéns Paulo Gomes!), e na semana anterior às 24h tinha feito 80 no Douro (trail, claro) e a 1/2 maratona do Porto no dia seguinte. Se acham que correr muito prejudica os tempos na maratona… Nem sei que diga.
O meu amigo Luís Pires é outro excelente exemplo desta teoria, de que correr muito melhora o desempenho; no ano em que chegou às 100 maratonas (2013, portanto) e que fazia maratonas ou ultras todas as semanas, foi o ano em que mais vezes esteve próximo de baixar das 3h na maratona de estrada (várias entre as 3h e as 3h10). Há quem diga que se se tivesse dedicado a um plano de treino, durante 3 ou 4 meses, talvez tivesse baixado. Pergunto, teria desfrutado tanto? Teria tirado todo o prazer que queria da corrida? Não creio.

Enfim. Tudo isto para concluir o que já escrevi várias vezes. Quanto melhor integrarem a corrida na vossa vida, sem a alterar muito por isso, mais vão desfrutar deste fantástico desporto, que é tão democrático como respirar e que está disponível para quem o quiser praticar. Basta calçar umas sapatilhas, o resto, vem com calma, sem pressão. Assim sim, é ser amador e correr por puro prazer. E acreditem, que enquanto olharem a corrida como uma coisa em que todos os predicados dos profissionais se aplicam aos amadores, ela vos vai desiludir mais do que agradar. Desfrutem da corrida, não vivam para ela. 

7 comentários:

  1. Deliciosamente politicamente incorrecto!!! Parabéns pela bela Prova.

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  2. Rui ... Uma delícia ( igual aí croissant) ler estas linhas !
    Parabéns 😃

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  3. É isso aí, Rui. São estas verdades, ditas assim, de forma bem humorada, que constituem verdadeiros ensinamentos e arrumam a um canto aquelas teorias obsessivas da disciplina e da regra e do treino específico, como se o pelotão fosse a elite. Para retirar prazer da Corrida, subscrevo inteiramente os teus "postulados". Grande Abraço e sim, conto ver-te no Porto. (P.S. - deveríamos ter andado muito perto pois passei o marcador das 4,15 aos 7Km e à Meia ia com 1,56, p´raí.).

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  4. Só a titulo de curiosidade o recordista da maratona, Geoffrey Mutai corre 180km por semana para preparar a maratona, nos dois meses antes da maratona mete 1440 km nas pernas.
    Em relação aos treinos especificos para pessoal como nós, concordo com o que dizes, temos é que meter quilometros nas pernas é um facto. Para quê o treino especifico quando tanto falta em "base de atletismo".
    Agora partilho contigo um pouco da minha curta experiencia (só comecei a correr em 2011).
    O ano passado fiz 2700km com 50km de D+ e participei em 30 provas, este ano até á data tenho 3100km com 89km de D+ e participei em 11 provas.
    Agora já faço um pouco treino especifico, faço menos provas e treino muito mais. Consigo tirar muito prazer do treino, ao fazer menos provas, empeno muito menos e consigo treinar muitos quilometros de qualidade, ou seja, estou mais tempo a correr. Tenho quase 500 horas este ano ;-) . O resultado foi um brutal aumento de rendimento e um prazer autêntico em desfrutar da corrida.
    Em relação á alimentação, é pá! não há nada que se compare a um petisco no faial rodeado de pessoas 5 estrelas.
    Parabéns por tudo Campeão, grande abraço

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  5. Muito bem Rui, fazes uma grande divulgação da corrida e de uma forma muito salutar. Correste com umas sapatilhas com 2.000 kms, eu também tenho uns 7 pares há anos com muitos kms percorridos que uso regularmente e parecem que nunca se gastam. Com a alimentação faço o mesmo, a boa comida portuguesa está sempre há mesa. Nada de muito estudado, até porque não penso em marcas, apenas o prazer de correr.

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  6. És cá dos meus. Seguimos planos de treino parecidos... Cumps

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