Nós, os corredores, somos o grupo de pessoas que melhor manipulam dados. Só somos superados pelos políticos. Se temos 4h05 na maratona, dizemos ao leigo, aquele que pouco percebe do assunto, que temos à volta de 4h. Se fazemos uma prova com 2675 m de acumulado positivo, disparamos logo a coisa para “mais de 3.000, e muito técnicos”. Somos uns valentes. E somos mesmo.
O Carlos Sá é um dos valentes, mas valente à séria. Faz séries na subida do Cerquido, aquela subida entre o abastecimento do km 25 e os 30 da Sra do Minho, onde este ano o Ricardo Taxa tocava uma gaita que se ouvia desde os 20 km, antes da descida que havia de moer os joelhos, tornozelos e quadrícepes, a todos os que achavam que era um voo divertido. O GTSA é uma prova dura, pouco apropriada a voos. O Carlos Sá desenhou-a dura, mas acessível; tão bela quanto castigadora.
Lembro-me da 1ª edição, que havia de ser interrompida (graças a Deus) aos 21 km, devido ao mau tempo. Da 2ª e do calor abrasador que nos sovou, e da 3ª, que todos lembram pelo dilúvio que se abateu sobre o Minho, e que fazia com que a Serra d’Arga parecesse um copo a transbordar sob uma torneira que não fechava, onde o chão era um rio imenso, e o céu um intenso nevoeiro sebastianista que não dispersava. Este ano tudo foi diferente. Houve sol, mas não muito forte. A meteorologia colaborou, finalmente.
Na semana anterior havia feito 105 km nas 24h de Vale de Cambra. Os treinos durante a semana foram apenas de recuperação (trotes ligeiros, não mais de 12 km), a pensar na trepa de 53 km que o Carlos Sá havia desenhado. A novidade desta edição, além dos km passarem de 47 a 53, era a de a prova ser feita em sentido inverso, com chegada a S. Lourenço da Montaria aos 33km, onde acabava o trail longo, ponto de partida do trail curto (20 km), e de transição da distância Ultra. O Pincho viria pouco mais à frente, uma fantástica maravilha que leva o Rio Âncora de queda de água em queda de água, por piscinas naturais, num azul turquesa a que é impossível resistir. Passei numa delas, sob o olhar pasmado de uns elementos da GNR de montanha (por ali por segurança dos participantes), mais de 30 minutos, num grupo que se foi avolumando e que mais parecia de uns domingueiros a quem só faltava a lancheira. Dos 33 aos 45 km um fantástico serpenteado junto ao rio, que aqueles que ficaram pela distância intermédia não puderam desfrutar, mas que foi servido pela manhã aos que fizeram a distância curta. A coincidência de o grosso do pelotão passar ali durante a tarde, é um upgrade fantástico, e que por si só, justifica acelerar nos primeiros 33 para poder passar o controlo antes do tempo limite (6h30, os que excediam eram classificados no trail longo).
Ora, com tantos km na semana anterior, não podia aspirar a mais do que saiu, uma prova calma, em 9h40, que me pôs os quadrícepes aos “gritos”, mas que é um mimo para a alma.
O Grande Trail Serra d’Arga é a prova onde qualquer um se pode e deve iniciar. É uma espécie de Mont Blanc (onde nunca estive) à portuguesa, onde se olha para o trilho, seja para trás ou para diante, e se vê um carreiro de cores, monte acima, monte abaixo, não fossem aos milhares o número de participantes. Apesar de muitos atletas, não houve atropelos, tudo funcionou bem, desde o estender do pelotão num primeiro km dentro de Dem, até ao excepcional tratamento nos abastecimentos e ao incrível trabalho dos fotógrafos. Este sim é um trabalho que deve ser realçado. Não houve um único atleta sem uma foto na Arga. Trabalho louvável de um grupo de profissionais da melhor estirpe, como prova a foto que ilustra este texto (autoria do Eduardo Campos).
A Serra d’Arga é um hino ao trail. Há imensos trajectos que podem ser utilizados todo o ano, com calma, em segurança, com a companhia da vida selvagem, e com o benefício do ar puro da serra tão perto do mar. O Pincho é um destino a não perder. O GTSA, para quem gosta de trail, uma festa a repetir. T-shirt e meias técnicas no kit do atleta, colete de finisher, boa gastronomia, não falta nada.
Obrigado ao grupo com quem partilhei o fim-de-semana, ao Meixedo, que nos acolheu em Lanheses, ao Vítor Dias, Miguel Santos, Marta Lopes, Ivete Carneiro, Patrícia Leite e Luís Pires, e claro, à Susana, que acabou com brio os 33 km, apesar de uma arreliadora bursite no joelho, e que a impediu de terminar a prova grande. Fica prometida uma ida ao Pincho, para uns merecidos mergulhos no Rio Âncora, num ambiente mais romântico e menos competitivo. É que o trail dá para tudo
Quanto ao calendário, venha daí o UTAX e a bela Serra da Lousã, com os seus 109 km e o imenso verde que a caracteriza. Este Domingo vou fazer um treino longo.
E pronto....se já andava lixado de não poder ir, ainda mais fico ao ler a tua opinião sobre a coisa :) ...que inveja (da boa, se é que isso existe) .... gostava muito de ter feito parte desses "domingueiros mergulhadores".....muitos parabéns por mais uma concluída (não imagino sequer o que e fazer centos e tais km, e uma semana depois fazer esta prova)....és uma máquina!!!
ResponderEliminarVamos lá ver se é para o ano que as datas me permitam estar na Cersaie e depois em Arga, ou vice-versa.
Grande abraço e até um dia destes numa estrada ou trilho qualquer
Deve ter sido uma prova fantástica!
ResponderEliminarAbraço
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