Nada melhor que uma estreia para a minha 10ª maratona.
Uma estreia em prova exclusivamente nocturna, e uma estreia num terreno que até aqui evitava: Areia e dunas.
A prova começa (apenas o controlo de chip) e termina no Castelo de Óbidos, daquela belíssima localidade do centro do País. Com a realização da Feira Medieval, e a inevitável presença de milhares de visitantes, foi assim emoldurada a partida simbólica, com o serpentear das ruas da Vila histórica por umas centenas de atletas rumo aos trilhos que circundam a bela lagoa de Óbidos. A partida real foi dada no exterior da muralha, com o rápido alongamento do pelotão, onde a boa disposição imperava. Entre os imensos participantes, muitos eram os que se estreavam em provas de trail, ouvindo-se bastantes e constantes avisos de “pedra”, “ramo” ou “subida”. Apesar de todos irem equipados com o obrigatório frontal, as armadilhas espreitavam sempre junto aos pés. Estando as marcações, excelentes, mais acima, era obrigatório projectar para aí a luz. Qualquer desatenção levava a desvios evitáveis e que aconteceram amiúde.
Até à separação das provas, a curta de 25 km e a distância ultra de 50, o trilho foi pequeno para tantos participantes. Junto à lagoa, nas zonas de passagem por água ou lama, já era difícil a progressão. O serpenteado de luzes embelezava a noite da pacata planície e os gritos de alegria de corredores maravilhados com a experiência rasgavam o silêncio habitual da zona. Os campistas, admiravam o cortejo, e ofereciam o que podiam “uma água ou cerveja”, disponibilizava um miúdo. Decidi recusar a cerveja.
Depois de separadas as provas, a calma. Aquilo que mais aprecio nas ultras. Parece que todos vamos para ali em busca de retiro espiritual. A paz que sentimos enquanto sozinhos na natureza, em perfeita harmonia com o meio ambiente, um coelho que passa, uma coruja que canta ou um sapo que coaxa, é inexplicável e inigualável. De noite a calma é exponencial.
Aos 26 kms, depois do 2º abastecimento, a grande dificuldade desta prova. Chegados à Foz do Arelho, 6 kms em areia e arribas. Para subir as arribas, em terreno de areia muito fina, por cada passo que dávamos, parecíamos deslizar 3 ou 4. Impressionante. Um troço que incluí passagens por rochas com menos de 0,5 mt de largura, e sempre com muita areia. Palavrões geravam incentivos, das fraquezas redobravam as forças e lá fomos, num grupo que entretanto se formara, até ao abastecimento do quilómetro 32.
Daqui até ao último abastecimento fui travando conhecimento com os dois atletas que haviam saído comigo do controlo dos 32, e que comigo se perderam por umas centenas de metros. Nada de grave. Lá fomos correndo nas descidas e nas zonas planas e caminhando nas subidas, visto que, apesar de termos saído da praia, o terreno continuava muito solto e em areia. A chuva, miudinha, já nos acompanhava para nos refrescar. Fomos passando vários corredores até ao final, acabámos frescos e com sentimento de dever cumprido.
As peripécias vividas foram muitas, mas abstenho-me de as contar, na certeza de que, os que as viveram sabem do que falo, e os outros devem vir experimentar. Importante dizer que a prova é superiormente organizada, num ambiente de corredores para corredores. A espectacularidade do trajecto, embora sem podermos desfrutar em pleno, por ser de noite, mas que tem uma beleza sem igual pelo efeito provocado pelo pelotão e pela zona de praia, levam-me a dizer apenas e só que fiquei apaixonado por esta corrida. No próximo ano, se nada houver em contrário, não faltarei.
Os abastecimentos, com um apoio inexcedível dos voluntários, com presença de socorristas e muito bem colocados ao longo do percurso. Percurso bem marcado, a exigir alguma atenção nas zonas mais iluminadas, onde os reflectores não eram perceptíveis (km 26 e 32), talvez fosse prudente acrescentar algumas fitas reflectoras nesses locais e em alguns cruzamentos.
Uma última palavra, de agradecimento para o Jorge Serrazina e restantes membros da organização, que tão bem nos acolheram e tão bem nos trataram nesta fantástica festa do trail nacional. Obrigado!
Os resultados e outras informações da prova, podem ser consultados aqui.
Se o objectivo era convenceres quem não foi lá, comigo foi conseguido: quero lá ir na próxima edição.
ResponderEliminarMeixedo
Nem duvides, João. Uma prova excelente, com uma organização daquelas verdadeiramente apreciáveis. Nota-se que quem a organiza sabe aquilo que nós gostamos. O Jorge Serrazina, com aquele ar descontraído e informal, conseguiu colocar toda a exigência nos pormenores. Para o ano lá estaremos. Conto com a tua companhia!
EliminarCaro Rui Pinho, estamos perante um excelente relato, que descreve de forma sublime, a grande aventura que foi o UTNLO, uma prova de grande nível, com uma organização espantosa, não fora aquela maldade que nos fizeram passar no último Km (estou a brincar). É mesmo de repetir. Parabéns pelo texto e pela prova.
ResponderEliminarÉ Fernando, na prova, chegando ao último km, praguejamos mais ainda do que nas dunas. Mas diga-se em abono da verdade, que todos nós esperamos aquelas surpresas. Ir a uma prova de trail e não as ter, é como ir no comboio fantasma e não aparecerem os monstros para nos assustar. Um abraço!
EliminarExcelente crónica. Também gostei bastante de fazer esta prova. Para o ano conto fazê-la novamente. Tirando alguns problemas de sinalização a seguir aos 32 kms, o resto estava impecável.
ResponderEliminarObrigado! A prova é mesmo muito boa e a vontade de repetir é comum a muitos de nós. Lá nos encontraremos. Abraço!
EliminarUm texto só possível de "construir" por quem vive estes convívios e aventuras. Somos uns felizardos!
ResponderEliminarTive muita pena de não poder estar ai este ano mas para o ano conto estar ai ...obrigado Rui pela tua magnifica descrição da prova, vejo que desfrutaste
ResponderEliminarAndava eu à procura de imagens sobre as zonas mais antigas do Porto e de Vila Nova de Gaia e "esbarro" com este blog.
ResponderEliminarMuito me dizem as palavras que abrem a página. "... como as nortadas são constante da nossa costa. Vou fazendo das tripas motivação".
Reconfortante. Para quem tão longe se encontra, mas cada vez mais tão perto se sente. Do Porto, de Gaia, do Norte.