segunda-feira, outubro 21, 2013

Ultra Trail das Aldeias de Xisto

Repito-me ao considerar as provas de trail como reuniões de família, onde todos se conhecem, ou se não se conhecem, facilmente se integram. Como em todas as famílias, há uma altura no ano em que a reunião é especial, uma espécie de banquete de Natal, onde todos se reúnem e celebram mais um ano, com farta mesa, onde há de tudo. O UTAX é a celebração do trail em Portugal. Com uma prova de 88 km e outra de 45 (Trail da Lousã) cuja designação é fiel ao percurso, com passagens por Aldeias de Xisto, tem a distância e a localização ideais para reunir os amantes do trail nacional, numa Serra que é um hino à natureza, com um pinhal imenso, quedas de água, rios e ribeiros, aldeias preservadas e recuperadas, e uma paz de cortar a respiração. A vontade que nos dá é de parar, contemplar e chorar para dentro o rol de sensações que só uma beleza daquelas nos induz.

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Sexta-Feira, dia de verificações técnicas e levantamento de dorsais para os atletas da Ultra, ao chegar a Castanheira de Pêra, base da prova, foi provavelmente o dia em que mais chuva, das fortes, vi cair. Estava apreensivo. Apesar da confiança que tinha nas pernas e na cabeça, as imagens da prova dos Abutres em Janeiro deste ano, onde abundaram a lama e água daquelas cercanias vieram-me à memória. Temia passar no dia seguinte o mesmo que passara então, calcorreando trilhos lamacentos e penosos, onde a difícil progressão duplicam o cansaço. Enfim, temores que felizmente não se confirmaram. Depois de uma noite dormida rapidamente, no lotado pavilhão da escola local, e já com café tomado numa pastelaria que abrira propositadamente às 5h, dirijo-me para o controlo 0. Muitas caras conhecidas, muitos bons dias com sorrisos ensonados, um flash aqui e ali das habituais fotos, um ambiente calmo, sereno e de sã convivência, como são sempre os que antecedem estas provas.

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Dada a partida, lá fomos a despertar os músculos em direcção às eólicas, cujas luzes sinalizadoras se avistavam bem lá no alto, por um pinhal onde rapidamente se dispersou o pelotão. Pouco depois, ainda no início da subida, reagrupámos todos, uns subiam, outros desciam, estávamos todos perdidos. Todos, do primeiro ao último. Esperámos pelo vassoura que nos encaminhou para o “Downhill” (feito uphill) que nos haveria de encaminhar até ao alto da Serra. As marcações, talvez devido à chuva e ao vento forte do dia anterior, eram deficientes em muitos pontos do percurso, sendo mais difícil o período nocturno. Registe-se que, a nível de percurso, só uma ou outra falha de marcação não pode diminuir o excelente trabalho de limpeza de trilhos e sua escolha. É uma prova com um percurso equilibradíssimo, onde não faltam zonas de trilhos planos ou pouco íngremes onde se corre durante quilómetros, passando por single tracks sinuosos em matas fechadas, e cujo final tem a sensatez de ser em estrada, estradão e trilhos pouco técnicos, provavelmente a pensar nos atletas mais lentos, como eu, que chegando ali já de noite, têm dificuldade duplicada pelo cansaço e ausência de luz natural.

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A partir daqui, já com o dia a raiar, o pelotão foi dispersando serra fora. Até aos 16 km, primeiro abastecimento, foi um agradável serpentear, divertido e luxuoso aquecimento. No primeiro abastecimento, primeira desilusão. Não havia nada com sal, o isotónico tinha acabado, sobravam gomas, banana, laranja e alguns biscoitos. Salve-se a simpatia dos voluntários, enchiam-se os reservatórios com água e voltámos ao trilho. Até ao segundo abastecimento, na belíssima Aldeia de Gondramaz, houve de tudo. Subidas, descidas, belas paisagens, florestas pintadas de cores e frutos de Outono, muita castanha espalhada pelo chão, enfim, trail do melhor. No abastecimento, mais do mesmo. Gomas e pouco mais, o resto tinha acabado, não havia rede de telemóvel e aguardavam por reforço do abastecimento. Daqui até ao Espinho, um trilho fantástico, que fiz sozinho, por ribeiros, pontes feitas de troncos de árvores, onde o sol chega por finas linhas douradas que embelezam a verdejante paisagem. Se há paraíso deve ser parecido com aquele percurso. No Espinho, ao passar no “Ti Patamar”, conhecido ponto de abastecimento de muitos dos que treinam por aquelas bandas, deu-me vontade de parar, mas sem companhia, segui caminho. Pouco mais à frente, na dura subida que antecedia a Lousã, encontro o “trio abutrico” que me acompanhou até ao fim, o João Lamas, José Carlos Fernandes e Tiago Santos. Ilustres “habitués” daqueles trilhos, organizadores da prova dos Abutres, tinham já “abastecido” no Ti Patamar. Por pouco perdera o melhor da festa. Lá seguimos juntos até ao Hotel Mélia, onde nos aguardava um abastecimento ultra: Canja, chá, café e todos os petiscos que lá faziam falta e que estavam em quantidade mais que suficiente. A acompanhar o aconchego do estômago, um saco previamente deixado à organização, com roupa seca e sapatilhas de reserva. Como estava confortável, nada mudei, limitando-me a meter na mochila uma camisola térmica de reserva.

Partimos de seguida em direcção à segunda parte da prova, com passagens por mais escadas infindáveis a cruzar as aldeias espalhadas pelas verdejantes encostas, fontes, castelo, uma levada belíssima onde correr era arriscado pelo perigo de cair ribanceira abaixo. Contemplação. Admirável Serra, esta bela Lousã. Espero que a conservem, há pouco em Portugal com tão assombrante beleza.

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Tinham-nos avisado no briefing, que por motivos de segurança havia sido abolido o PAC 5, passando a prova directamente do 4 para o 6. Assim foi. Um pequeno abastecimento aos 54 km de prova e a subida, tão bela quanto dura ao Trevim, ponto mais alto da Lousã, aos 1200 mt. A subida havia começado perto dos 200, com a levada a meio para “descanso”. Ali chegados, contemplámos, já na companhia do Rodolfo Rapaz e do Pedro Rodrigues (fotógrafo de ocasião), que se tinham juntado a nós na subida, a maravilhosa vista. O cansaço era pequeno perante tamanha beleza. Seguiu-se uma descida acentuada e nova ascensão, desta vez à Sra das Neves, onde entrámos no trilho que nos levou até ao PAC 7, na Aldeia do Coentral. Novo abastecimento reforçado, com canja quente, sandes de chourição e nova incursão do “trio abutrico” ao tasco local para mais uma mini.

Com a noite a cair, lá fomos juntos até final, aproveitando os cerca de 14 km finais para fazer recuperação activa. O facto de o percurso ser ali menos exigente, permitiu-nos recuperar forças sem abusar nos andamentos. Acabámos juntos, animados e com vontade de voltar, com 14h58 de prova. Previra 20h. Mesmo com 76 km registados no relógio oficial do nosso pequeno pelotão, sentimos-nos todos com dever cumprido.

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O UTAX é, como referi no início, uma excelente prova. Organização excelente, com um avançado controlo de passagens com actualização on-line, sem confusão nas entregas de dorsais e verificações técnicas, boas condições de solo duro e boa refeição final, abastecimentos excelentes a meio e ao km 75, e excelente percurso. Como em todas as famílias, quando vamos a um banquete festivo, podemos não gostar de tudo, mas não é o facto de as rabanadas estarem queimadas, ou a sopa insossa, que vamos dizer que o banquete foi um fracasso. O facto de as organizações, com esta conjuntura económica, lutarem com menos apoios, faz com que nem tudo seja perfeito. É compreensível. Talvez possam mudar o excesso de gomas para mais alguns pacotes de batatas fritas, o sal faz-nos muito mais falta. Quanto às marcações, obrigado por me fazerem dar mais umas voltas naquelas fantásticas paisagens. Não dei como perdido nem um metro do que fui fazendo a mais para encontrar o caminho. Deslumbrei-me com cada pedaço de trilho que percorri, com cada castanheiro que contemplei, com cada pássaro que chilreava nas densas florestas que cruzei. Fiquei cheio de vontade de regressar. Se não tiverem abastecimentos, por mim não há problema, levo sempre a mochila com comida, e um reservatório para água que por lá abunda. Temos que encarar os trails, cada vez mais como provas de auto-suficiência e cada vez menos como banquetes organizados. Os abastecimentos fazem parte do banquete, mas o prato principal é aquilo que nos vai fazer a todos voltar no próximo ano: A mais bela, equilibrada e brutal prova de trail que por cá se faz.

Parabéns a todos os que se aventuraram nesta epopeia, ao vencedor Armando Teixeira em masculinos e à Ester Sofia Alves no feminino, a toda a organização e voluntários, que foram inexcedíveis. No global, o saldo é amplamente positivo.

Portugal tem excelentes serras para correr. Haja mais “Go Outdoor” para as organizar. Se o circuito Ax Trail é assim, merecem apoios para o reactivarem. Fiquei “cliente”.

sexta-feira, outubro 18, 2013

Obrigado!

Ontem, ao ler e reler todas as mensagens publicadas no meu mural do Facebook, revi quase toda a minha vida. Desde colegas de banco de escola, passando pelos camaradas de tropa, até aos companheiros da vida, de trabalhos, da corrida, das simples amizades ou de algo mais, tudo está aqui agrupado. A forma que tenho de vos agradecer é a mesma caso não tivesse outra, dizer-vos que todos fazem parte de um trajecto de vida que continua, onde tudo acaba, mas nada tem validade.
Leiam este post que convosco partilho, de uma pessoa inspiradora, que se recusou a ter prazo e que, graças à atitude que demonstra, superou todas as estatísticas. Como ele diz, é preciso continuar a viver, apesar do que quer que seja. Todos tenhamos consciência, que o que queremos fazer não deve esperar por melhores dias, porque os melhores dias são estes. Temos o que vivemos e devemos viver sem ser na corda bamba do que vai terminar, mas no que há para viver. Como dizia Pessoa, "Vivo sempre no presente. O futuro não o conheço, o passado já o não tenho".
Obrigado por me darem o privilégio de serem parte da minha vida.
Beijos e abraços!

"...dia de molhanga hoje, e grande conversa com o meu médico (um dos que me segue) que adoro (síndrome de Estocolmo - ;.) )...

...falámos do prognóstico e de tempo de vida;
...eu nunca perguntei a nenhum médico quanto tempo de vida tenho; a razão é simples, sem bens nem rendimentos, não saberia o que fazer com essa informação, a não ser tirar fotocópias e arrumar papéis; coisa que nunca faria se tivesse duas semanas de vida;
...a ética/deontologia/ escola médicas obrigam o médico à verdade, conceito não absoluto, logo porque pode ser contar tudo ou não dizer mentiras; mas acho estranho que alguém faça a pergunta e mais estranho ainda que o médico dê essa informação por várias razões:
=> não acredito que seja a regra, mas não existirão alguns muito poucos médicos que baixam a esperança de vida para parecerem génios na gestão da doença?
=> além da classe modal, cujas estatísticas estão disponíveis online, só acontecem excepções; quantas vezes não ouvimos alguém que tinha 6 meses durar cinco anos? Na vastíssima maioria dos casos o doente ultrapassa o tempo comunicado;
50% dos cancristas de pulmão morre no primeiro ano; porque normalmente este cancro é insidioso e uando o pciente chega ao hospital já está todo roto; eu já cá vou a caminho dos 5 anos....graças a Deus só soube desta estatística há pouco...
=> a fixação de um prazo de validade retira energia e motivação para o aproveitamento do tempo de vida; ou seja o tempo da morte é trabalho do médico e da medicina, o tempo da vida é do cancrista; eu não preciso de saber quanto tempo vou viver, porque alterarei a minha vida em função do meu prazo; à partida eu calculo que não viverei tanto como os outros, mas cada dia meu tem e deve ser igual a todos os outros, até ao último;
=> A teoria dos bucket lists, popularizada por um lindíssimo filme de Morgan Freeman e Jack Nicholson; tive a graça de viver o meu bucket list desde a minha adolescência, e da maioria das coisas que queria fazer na vida já as ter feito; além disso a maioria das coisas que agora me faz feliz e me energizam não custam dinheiro; mas não as aproveitarei da mesma maneira com um prazo;
Se eu tivesse dinheiro e tivesse vivido uma outra vida, não quereria aproveitar o tempo que me sobra para subir o Himalaia ou uns gang bangs em Las Vegas? Dont think so; até porque não saberia como as poderia aproveitar com o cutelo em cima da cabeça; se alguém tem cancro, não faz a pergunta e se puder e tiver recursos, corra para o seu bucket list, seja essa a opção sem necessidade de saber que são 4 semanas ou 6 meses;

=> certo que certas coisas poderão ficar melhor arrumadas e não deixadas ao descuido, como a educação dos filhos, a questão patrimonial para quem o tenha, o testamento espiritual, os nossos objectos pessoais, etc etc; mas tudo isso pode ser tratado já, sem saberem esse errado prazo!

Portantos:
1 - Não perguntem nunca qual o vosso prazo de validade;
2 - Peçam ao vosso médico para não o dizer;
3 - Organizem-se e bucketizem o que quiserem, já; não como se tivesse medo de não viver para sempre, mas porque isso vos poderá tranquilizar e energizar;
4 - Não leiam as estatísticas, por causa do frango;
5 - Quando alguém vier dramaticamente vos dizer que têm x semanas ou meses, digam-lhes que é mentira, porque eu disse que era mentira e que o prazo será maior; acertarei em mais de 90% dos casos!! nos casos em que falhar faltará decidir para quem vai a cómoda da Tia Mariazinha, o que não é muito grave...

Esqueçam este assunto. o segredo é sempre o mesmo, poderemos morrer da doença, mas a doença numa nos matará, porque viveremos todos os dias como se não a tivéssemos, como se ela não fosse um assunto! (minimizando a dor e desconforto, tentando todas as terapias, rodeando-nos de pessoas boa onda, replicando e repetindo os cassos de sucessos, etc etc etc...)"


O texto original pode ser lido aqui.

terça-feira, outubro 15, 2013

O Urban Trail é “me(u)”, disse o Porto

Foi aqui que ele nasceu, num aparente longínquo Abril. Vou reler o texto que escrevi então, e reparo que passou apenas pouco mais de um ano.

Longe vão os dias em que correr escadas acima, rampas e ruelas escuras abaixo, nas zonas históricas do Porto e Gaia, era regalia de alguns, que na ânsia de treinar desníveis como os das montanhas, que tanto apreciam e onde correm quando podem, calcorreavam-nas todas, descobrindo todos os caminhos sinuosos, cinzentos, rudes e belos, já coroados como Património da Humanidade. São cada vez mais a fazê-lo. Tudo graças à iniciativa de alguém que, afectado pelo desemprego, pôs mãos à obra e não descansou enquanto não viu o sonho concretizado, com a ajuda de alguns e o apoio de outros, que superiormente reconhece.

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O Urban Trail é um acontecimento único. Há imensas corridas, mas só esta consegue fazer desfilar pela cidade, um bonito carrossel de luz e gente bem disposta, que parece querer prolongar o privilégio de tomar a zona histórica de assalto, não forçando o passo para poder usufruir por mais tempo.

Como habitualmente, fiz a prova na cauda. “Varri” a primeira edição, (a pirata e a oficial), e o Jorge Azevedo e o Miguel Catarino, organizadores da prova, desafiaram-me a repetir a experiência. Desta vez levei uma bandeira no lugar da vassoura, o que não impediu que, por onde passasse, todos me apelidassem de “carro vassoura”. Foram 2h14 para fazer 12 km, mas já não me vejo a fazer esta prova num ritmo rápido. Logo depois da partida na Ribeira, e de percorrer a Ponte Luis I (tiraram-lhe o “Dom” por ele se ter baldado à inauguração), o primeiro grupo a passo, apesar de o terreno ser ainda plano, fazia-me adivinhar o que vinha. Seria um longo passeio. Ribeira de Gaia fora, com um belo espectáculo de cor do outro lado, com a multidão alinhada para a partida da caminhada, lá fomos ora a correr, ora a saudar quem nos saudava. Primeira subida, o grupo engrossa com alguns que sentem pela primeira vez a inclinação da zona ribeirinha nas pernas. “Ó Sr. faltam muitos?”. “Sou o último”. “Então força, que isto sobe muito”. Lá fomos em direcção à Taylor’s, por onde passámos entre pipas de história em forma de vinho, onde só faltou a prova de um vintage. Mais umas vielas e ruelas, passagem pelo Yeatman e chegada ao fantástico ponto de observação do Porto, a Serra do Pilar, com passagem pelos claustros do Mosteiro. Aqui, talvez devido à água bebida no abastecimento, um grupo de corredoras vai ao wc, e eu, claro, espero, enquanto o corrupio de caminheiros continua a ultrapassar-me. Caminheiros rápidos vs corredores lentos. Descida ao tabuleiro inferior da Ponte pela rua do Casino (é verdade, chama-se assim e o casino existiu mesmo, em tempos) e, já com a companhia do João Meixedo, subida das escadas do Codeçal, rumo à habitual passagem pela Muralha fernandina e descida à Sé Catedral. Tanta história tem o Porto, que passámos por muitos mais monumentos que os que aqui vou referindo, e que provavelmente passam despercebidos a tantos que por eles passam diariamente na azáfama da rotina. A nós, que fazemos destas ruelas e escadas pista de treinos, só as passagens que referi são novidade, todas as outras estão disponíveis no dia-a-dia.

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Depois da Sé, seguimos rumo à Vitória, onde iniciámos o abastecimento, e que durou quase até ao Palácio.

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Um serpenteado desenhado nos jardins do Palácio de Cristal, descemos à marginal, onde rumámos à meta instalada junto ao Cubo da Ribeira.

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Foi este o grupo (Iolanda Barros, Ivone Ganso, Sandra Pascoal, João Meixedo e Nuno Godinho) que nos acompanhou quase toda a prova. Pouco habituados a correr, fizeram das tripas coração, e apesar da lesão num joelho da Iolanda, acabaram com brio, a primeira das, espero, muitas provas que farão a correr. Porque tudo tem um início, tudo tem uma primeira vez, e para primeira vez, um trail urbano com mais de 500 mts de desnível positivo, é obra. E sempre bem dispostos. Virtudes do desporto, apesar das dificuldades, há sempre um sorriso de satisfação.

Parabéns ao meu amigo Luís Pereira, brilhante vencedor, num tempo que, com certeza, não o deixou apreciar a paisagem. Voou literalmente. 

Parabéns à organização, que resolveu com mestria o imbróglio que é o de separar a corrida da caminhada, apesar de partilharem parte do percurso, sem que deixasse de haver muito público sempre, e sem haver, aparentemente, qualquer desagrado por parte dos atletas. Foi uma festa, e as festas, no Porto, são sempre bonitas e animadas.

Venha o próximo!

quarta-feira, outubro 02, 2013

Mudar de direcção

O meu pai foi policia 11 anos. Ainda hoje, aos 76 anos, conduz como lhe ensinaram na extinta Polícia de Viação e Trânsito. Faz pisca para sair de estacionamento, pisca para mudar de direcção, para estacionar, pisca sempre. Chega ao cúmulo de alternar os piscas enquanto faz a manobra de inversão de marcha. Exageros da boa formação. Hoje de manhã andei uns quarteirões atrás de um carro patrulha que nem um único pisca fez. 
Há pessoas que assinalam tudo, desde mudar de emprego, de passatempos, de mulher, de carro, enfim, do que quer que seja, e dizem-no ao núcleo mais próximo, sejam amigos, família ou ao merceeiro. Outros há que nos surpreendem pela mudança sem nada o prever. 
Esta sociedade que foi criada, de rotinas, de Pais, filhos, família, trabalho, amigos, tem virtudes e ainda mais defeitos. É uma sociedade rotineira, onde todos pagámos um preço pela circunstancial liberdade que todos cremos ter. Estamos agarrados à família, ao banco que antecipou o dinheiro para a casa ou para o carro, ao emprego que permite ter todos os comodismos de que não se quer prescindir, à mulher que lava a roupa, passa a ferro, faz o almoço e outras cordialidades, ao leva à escola-traz da escola-leva ao treino-deita na cama, enfim, às rotinas da sociedade urbana moderna. 
Para tudo isto vivemos em caixotes verticais que chamamos prédios, com plasmas e pc's, smartphones e tablets, por onde vemos passar sonhos que só conquistamos com uma volta pela rotina ainda naquela noite e em todos os dias que se lhe seguirão. 
Ocasionalmente somos felizes, mas no dia-a-dia somos rotineiros. Já lá vão os tempos em que tudo era novidade. 
Cada vez mais os nossos anos parecem meses, quando nos tempos em que éramos livres, os meses nos pareciam anos. Agora, em cada Segunda-Feira há um regresso à rotina. A sua ausência só é permitida para os que ainda não têm contas para pagar, filhos para tratar ou conjuge para amar. Esses mantêm a ânsia de cumprir o sonho, que se transformará naquilo que é o homem da sociedade moderna. E depois desiludem-se e vêm que, afinal, os contos de fadas são só isso, Contos de Fadas. 
Na vida como em tudo, o entusiasmo é apenas no início, quando tudo é novidade, quando queremos sentir mais e mais sensações, experiências, vivências, coisas novas! E fazemos sempre os mesmos gestos à espera de resultados diferentes... É a segurança da rotina. 
Na corrida, ao contrário do resto, tudo se sente mais intensamente. Buscamos ali o sorriso fácil, a dor que não esperávamos, ou a sua ausência quando a tínhamos como certa, a sã convivência com quem queremos conviver, o simples prazer de lutar contra muros e intempéries que nas rotinas não somos capazes de enfrentar. Na corrida somos de novo livres, e por isso corremos. Uns e outros, aqui e ali, de madrugada, sozinhos ou em grupo, às vezes em silêncio outras a conversar. Corremos apenas porque sim.
Eu não faço "Planos de treinos". Tenho para mim que fazê-lo é comprometer aquilo que a corrida trouxe de diferente para a minha vida: A liberdade de poder escolher o "Quando, onde, como e com quem", sem fazer fretes, numa espécie de relação aberta. Como no sexo com uma amizade "colorida", (o inesperado sabe sempre melhor, daí ter sempre sapatilhas no carro) se nos encontrarmos e nos apetecer, tudo bem. Até pode ser com um desconhecido ou com quem já nos havíamos cruzado, isto sim é a pureza das coisas que nos dão mais prazer e que mais significado têm, pela ausência de rotina. Por isso gostamos tanto das férias, ou de surpresas. Isso sim é viver, o resto é rotina para mantermos o "status quo". 
Apetece-me mudar de direcção e vou fazê-lo, mas sem "dar pisca". Não que os "condutores" que vêm atrás não mereçam consideração, apenas e só porque não quero rotinar a minha vida. Acontece o que tiver de acontecer, sem "Planos". "Dar pisca" e depois não "virar" é bem pior que não assinalar, porque as desilusões nascem da expectativa.