terça-feira, dezembro 29, 2015

Ainda a discutir o trail

Apesar de todos os cuidados e reflexões, parece que discutir seja o que for sobre trail fora da Assembleia Geral da ATRP enferma de legitimidade.
No último texto que escrevi neste cantinho, dizia ter falado com a ATRP sobre o dito encontro de organizadores, convidando-a a participar para discutir tudo o que engloba a competição, sua calendarização e organização. Foi-me comunicado verbalmente por um dos membros da direcção que a ATRP não participaria na dita reunião, por não achar oportuna, e por não achar que deva, a ATRP, discutir tais temas com os organizadores. Num "post scriptum" colocado no texto depois de alertado para o facto de o convite não ter sido dirigido formalmente, referi que o ia fazer. Recebi a resposta poucas horas depois. O Ex.Mo Presidente da Assembleia Geral (onde andará a Direcção?) declinou o convite, em nome de todos os órgãos sociais (?!?). Aparentemente a decisão terá sido "colegial", como refere. Curiosamente, 1 hora antes de me responder por email, respondeu a título pessoal, em forma de comentário ao referido texto, onde apela ao trabalho voluntário e colaboração com a ATRP - repto que aliás já me tinha sido lançado por um dos membros da Direcção e que eu e mais 3 pessoas aceitamos de imediato, mas que não teve consequência. A ATRP não se pode apenas impor por força de Assembleias Gerais nem por força de estatutos, como refere no extenso comentário o actual Presidente da AG da ATRP. Claro que a legalidade, estrutura e modo de funcionamento das organizações é legitimada por estatutos; claro que é na AG que se discutem pontos de interesse dos associados. Mas também me parece claro que há muito mais para ser falado entre as pessoas, principalmente entre organizadores, para que se possa defender um desporto tão recente e que carece claramente de regulação e de criação de pontes entre as várias entidades que o tutelam, promovem ou organizam. As organizações evoluem com debate de ideias. As próprias sociedades evoluem a partir da base e não dos órgãos administrativos que as regulam. Não é só na Assembleia da República que se discute o País. Discute-se todos os dias em iniciativas de grupos de cidadãos, não tendo de se por em causa a legitimidade democrática de quem os representa. A democracia faz-se falando abertamente sobre os problemas, e não creio ser descabido discutir-se o trail e as corridas de montanha num fórum que não seja o da Assembleia Geral da ATRP. Se assim fosse teria de ir também às Assembleias Gerais da Federação de Campismo que regula o Sky Running em Portugal e às da Federação de Montanha que regula outro campeonato. Até pela multiplicação de tutelas é pertinente este encontro de quem tem a força suficiente para liderar todo este processo. Parece que a ATRP prefere o caminho da integração na Federação de Atletismo e não quer de forma alguma discutir o trail enquanto se processa essa integração. Eu não sei se esse é o caminho ou não, mas quero discuti-lo abertamente.

Esta ideia surgiu depois de vários acontecimentos que não adianta voltar a trazer à baila, e que desencadearam reacções extemporâneas entre pessoas que se respeitam, ou respeitavam, e que podiam e deviam ter sido evitadas por quem supostamente tutela os campeonatos. Ao contrário da ATRP, há outras entidades com tutela federativa sobre competições semelhantes que se mostraram abertas a participar no dito encontro e que encaram como válidas todas as discussões que possam melhorar o futuro das corridas em Montanha em Portugal. Não percebo como pode a ATRP colocar-se fora disto.

É importante lançar definitivamente em 2016 um caminho para o trail. Não tenho qualquer interesse de poder, mas tenho interesse em que se discuta o que realmente importa. Tenho falado com muitos organizadores em paralelo, muitos deles com razões diversas sobre pontos de interesse comuns, mas que não discutem entre si o que realmente poderia melhorar as suas organizações. Deviam ter um interlocutor, que infelizmente não existe. Na maioria dos casos chegam uns aos outros pelo FB, ou num ou outro encontro informal quando participam nas provas de uns e outros. Está na hora de se encontrarem para discutirem o que há para discutir. Será então a 31 de Janeiro.


quarta-feira, dezembro 16, 2015

Reflectir o Trail

Agosto de 1997. Há 18 anos, ainda sem correr e sequer pensar fazê-lo, fui convidado por um amigo a ir a um almoço convívio no final de uma prova de corrida em montanha, onde todos se conheciam e partilhavam a paixão de correr na natureza. Uns anos mais tarde, já corredor, "cruzei-me" com fotos dessas provas e soube finalmente o nome da dita aventura: Transestrela, uma prova de duas etapas num fim de semana. À época os nomes que retive foram sendo revividos, agora juntando os nomes às caras. Alguns dos que por lá andaram, ou abandonaram a modalidade, ou então limitam-se a fazê-lo nos moldes que muitos de nós ainda conhecemos, em pequenos grupos, onde quase todos se conhecem, correm pelas montanhas, almoçam ou jantam juntos e regressam à vida do dia a dia de cada um.

O trail deixou de ser um convívio entre gente que corre e passou a fazer parte de um quotidiano empresarial, onde o interesse de organizadores e atletas é muito mais que correr livremente e almoçar entre gargalhadas e projectos futuros. E deve assim ser encarado, como um desporto em crescimento, com cada vez mais adeptos e praticantes, e cada vez mais interesses envolvidos.
Contudo, uma das características que traz tanta gente para o trail, é a de não haver distinções entre ricos e pobres, entre filhos e enteados, havendo um total respeito por todos os atletas por igual, sem separação como acontece na estrada - elite separada do "pelotão" - e onde a capacidade de entreajuda, superação, resiliência, destreza e sacrifício, são muitas vezes determinantes para o aparecimento de novos valores. Há no trail casos de sucesso já bem depois dos 50 anos, com vitórias em importantes provas, casos de vitórias de gente que "aparece" neste desporto com historial mediano noutras modalidades e que consegue sucessos por ter características determinantes para um desporto onde a capacidade atlética não basta para vencer. A atracção pelo trail é determinada igualmente pela oferta de percursos na natureza, onde a recompensa de poder correr livremente por espaços inacessíveis é mais que bastante para libertar do reboliço diário citadino que a maioria dos seus praticantes vive.
Como um desporto com bases amadoras, de convívio e de descoberta de novas formas de viver as montanhas e natureza em geral, o trail nasceu um pouco como a história das primeiras provas, com o intuito de reunir pessoas, correr, fazer uns repastos e pouco mais. Os prémios não são normalmente monetários, o reconhecimento é escasso se comparado com outros desportos, não havia até há pouco selecções que participassem em campeonatos do mundo, e o reconhecimento passava por um ou outro apoio de marcas ou lojas de equipamentos da especialidade. Tudo isto mudou em pouco mais de 3 anos.

Depois de em Setembro de 2012 tomarem parte numa reunião, que viria a ser embrionária da ITRA, foi criada em Portugal a ATRP. Esta associação nasceu por vontade e iniciativa de um grupo de amigos apaixonados por trail. Se está a fazer o trabalho para a qual foi criada ou não, é no mínimo discutível. A ATRP enveredou por um caminho de regulação, de organização de calendário e de organização de campeonatos. Na minha opinião nasceu manca, porque sem a devida colaboração dos organizadores. Eu explico porquê: A ITRA nasce pela necessidade de regular competições existentes. Nasce no sentido de preservar o espírito do trail, da não separação entre elite e pelotão, das mesmas condições para todos os participantes, da tentativa de regular as provas, de as uniformizar, de unir esforços entre todos os que participam no desenho, organização e corrida. A ATRP exclui da sua génese e da sua organização as organizações. Há hipótese de as organizações se candidatarem, algumas serão convidadas, mas não há organizadores - pelo menos assim, enquanto organizadores -, no seio da Associação que regula, ou tenta regular, o desporto que aqueles organizavam muito antes de haver ATRP.
 
O aumento de provas entre 2012 e 2013, após o reconhecimento trazido pelos excelentes resultados internacionais de alguns atletas, trouxe muitas coisas novas e diferentes para o trail nacional. Até 2010 eram poucas as provas no calendário nacional. Quem queria ir a uma prova de 100 km tinha que se aventurar em Ronda ou nos Peregrinos, provas ganhas várias vezes por atletas nacionais. Por cá havia um calendário modesto. A Ultra da Freita só em 2010 passou a ter 70 km. Os Abutres só na segunda edição (2011) passou a ter mais de 42 km. Apenas o MIUT e mais tarde o Oh Meu Deus se atreveram a desenhar e proporcionar provas acima de 100 km em Portugal. Hoje, poucos anos depois, são muitas as provas com 100 ou mais km em Portugal. As provas de trail multiplicam-se e há fins de semana com 3, 4 ou mais provas em diferentes pontos do País. Há, felizmente, muito por onde escolher.

Assim, e sem muito mais explicações ou debates, decidi, com o apoio e incentivo de várias pessoas interessadas pelo futuro deste desporto, organizar com o apoio de algumas entidades, um encontro nacional de organizadores de provas. Será em Miranda do Corvo, no próximo dia 31 de Janeiro. Muitos dos que organizam provas em Portugal são dos mais experientes atletas nacionais. Exclui-los de decisões que os afectam não é justo, normal, nem aconselhável.
O Trail não pode é continuar pouco regulado, sem homologação de provas e/ou percursos, sem fiscalização, sem obrigatoriedade de cumprir requisitos mínimos. Não acabarão más organizações, mas havendo regulação e homologação os atletas poderão escolher em consciência e exigir de quem os deve defender. Não sei quem o deve fazer, nem quero afirmar se deve ser no seio da Federação de Atletismo ou na de Campismo e Montanhismo de Portugal. O que acho é que não pode nem deve continuar assim, com campeonatos distintos e regras diferentes. Urge discutir e alinhar o futuro com a exigência que os atletas merecem.

Poderemos discutir muita coisa por telefone, facebook, jornais, ou mesmo em tertúlias em separado. Mas urge reunir quem se interessa pela efectiva regulação de um desporto que começa a estar demasiado exposto. Não o fazer será colocar em causa tudo aquilo que defendemos e queremos para o trail.
A ATRP foi convidada a participar mas declinou o convite. Acha a direcção actual que não deve participar em tal debate. Respeito. Não concordo, mas respeito.
Em breve divulgarei o programa e temas abordados durante este encontro. O número de participantes vai variar consoante o local onde se realizará, que ainda não está definido.

P.S. - A ATRP será formalmente convidada a participar no encontro. Chama-me a atenção o João Mota, e com razão, que não existiu um convite formal, não sendo por isso legitimo afirmar que a direcção declinou o convite. O convite original foi feito verbalmente a um dos elementos da direcção. Agora segue um formal, por email.


Saudações desportivas a todos.