terça-feira, dezembro 31, 2013

2013 Ano Ultra

Há premissas essenciais para quem quer ser um atleta. Disciplina no cumprimento dos planos de treinos, nutrição e não só alimentação, suplementação para cobrir défices disto e daquilo, batidos de proteína para recuperação muscular, massagens, reforço muscular localizado, planeamento, calendário... Enfim, já estou a ficar cansado de nomear tanto factor que pode influenciar a evolução e performance de um atleta. São realmente muitas preocupações.
Há uma razão para nunca ter sido grande atleta. Detesto rotinas no desporto. Se fizer um plano de treinos, só de olhar para ele fico desmotivado. Fiz um, que cumpri na íntegra, para a minha primeira maratona, pescado na blogosfera. Chegou-me. Desde então dedico-me apenas a correr. Não faço todos os dias a mesma coisa, faço o que me apetece. Ainda hoje saí de casa com a ideia de rolar 14, 15 km e acabei por fazer um treino de rampas e escadarias de 18. 
Neste ano que finda fartei-me de treinar sem relógio, o meu Garmin já não é novo e bloqueia amiúde. Levo-o na maior parte dos treinos, mas ele só regista alguns. Optei por, nos treinos longos, levar um vulgar GPS de telemóvel, metido na mochila, mas sem lhe ligar nenhum. Não me interessa muito a quanto vou, quantos km, quanto tempo... Treino longo é isso mesmo, longo. É sair de casa sem destino, apenas com a vontade de correr. E este foi o ano dos treinos muito longos. Fiz treinos de 30, 40 e 45 km. Uns em montanha outros em estrada, de 3 e mais horas, tendo alguns durado mais de 8. Foi ano de fazer o Caminho de Santiago com mais 4 amigos, onde sentimos tudo menos os 50 km por dia em 5 dias. Foi um ano de imensas provas, mas acima de tudo de muito convívio com corrida.
Sinto-me um Ultra. Não porque faça muitos km, há quem faça muitos mais, mas porque corro quando me apetece, como me apetece, sem pressões, sem pressa, sem sprints finais para recuperar alguns segundos no PB, mas com muitos abraços, tertúlias durante provas, convívios em abastecimentos em lugar de apenas abastecer, amizades saídas de subidas intermináveis onde todos nos reduzimos ao humano frágil e volátil conforme o dia de mais ou menos força, ou à forma do momento, e acima de tudo com a certeza que continuarei a correr. Ser ultra é mesmo isto, é viver com a corrida e não para a corrida. É a mente a mostrar ao corpo forças que ele desconhece. É a vontade contra a preguiça. É viver. 
No livro "Nascidos para correr", há alguns indivíduos que se juntam para uma prova única, onde a única coisa que os unia era a corrida. Nos personagens encontrámos tipos que correm descalços, outros que correm com ressaca, outros que vivem a correr, ou para correr, e outros que correm porque não têm outro meio de transporte. Não há ali nenhuma descrição de dietas para corredores, sapatilhas ideais, suplementos aconselhados ou tipo de provas e patamares de competição até se chegar a algum objectivo. Foi isto tudo que me atraiu na corrida, poder correr onde me apeteça, como me apetecer e (e para isto foi preciso tempo) pelos km que me apetecer. Sabem que mais? Ainda por cima, todos somos capazes de o fazer, basta querer. 
Ser ultra, ao contrário do que muitos temem, não é viver a correr, é viver com a corrida. 
Fundamental é querer. Só não é ultra corredor quem não quer. Já atleta, ou ser ultra e lutar para vencer provas, ou ficar um pouco mais acima nas classificações, requer pressupostos que eu não estou disposto a abraçar. Prefiro manter-me assim, um ultra que corre, que adora correr, que gosta de desafios, que acredita que a mente manda mais que o corpo, mas que tem a certeza que a corrida é compatível com presunto, tainadas na véspera de uma prova, minis a meio de treinos de 6 horas, churrascadas depois de algumas horas num monte, ou com bolas de berlim ao pequeno almoço. Os tempos, as performances ou os PB's vão surgindo, porque se há uma coisa inevitável para quem corre respeitando os sinais do corpo, é a evolução. É inevitável. 
Foi um bom ano. Um ano ultra, mais um sem lesões, felizmente, e com mais de 5.000 km registados. Venha 2014. Vou continuar a viver com a corrida.
Feliz ano novo!

domingo, dezembro 15, 2013

Apaixonados pela corrida, os doidos

Tive um fim-de-semana em cheio. 
Ontem o Fell Race na Freita, prova a que muito dificilmente deixarei de ir. Com menos suspense que no ano passado, quando fomos lançados no meio do nevoeiro, ontem o dia estava frio mas com sol e céu azul, fazendo com que, da partida conseguissemos visualizar o ponto de destino e idealizar o percurso, para rapidamente o atingir e assim sucessivamente até ao segundo e até regressarmos ao ponto de partida. 
Numa prova onde quase todos correram entre 10 e 11 km, eu fiz 14, o que demonstra a variedade de percursos possíveis (ou a minha pouca vontade em andar pelo meio dos tojos).
A prova é seguida de um excelente convívio com a Confraria Trotamontes, com a entronização de confrades e entrega de prémios, com a particularidade de todos, repito, todos os participantes serem premiados de igual forma: Levam Cd's de música e/ou livros. O José Moutinho, que dinamiza o trail há muitos anos, faz isto pelo prazer de abrir mentes ao gozo da corrida pela corrida, ao respeito pela natureza e pela serra da Freita que tanto o apaixona, e pelo espírito altruísta que emprega em todas estas ocasiões onde junta algumas dezenas dos que o gostamos de ouvir, e que admirámos a sua postura na corrida, sempre disposto a mostrar o trail a mais alguns e aos benefícios que podemos tirar desta modalidade tão apaixonante e tão dada ao espírito de entreajuda e camaradagem.
Foi um excelente dia, com excelente companhia. 


Hoje pela manhã fui fazer o reconhecimento dos 15 km do Xtmas Trail, prova de que orgulhosamente sou Rei Mago (junto com o Carlos Natividade e o José Capela).
Na companhia do inspirador Sérgio Moreira, responsável desta organização com o Ricardo Bomtempo, que corre muito e bem, apesar de ser diabético tipo 1, e que durante o treino de quase 2 horas foi fazendo medições da glicose, sem parar de correr. Há verdadeiros heróis na corrida, que fazem o favor de nos dar "chapadas" constantes de humildade, e que nos mostram que o único obstáculo para o que podemos fazer somos nós próprios. Quem quer arranja maneira, quem não quer arranja desculpa. 
Ora o Sérgio, junto com outros elementos da organização, mostrou-nos um verdadeiro circuito de diversão para quem gosta de trail. Numa surpreendente Serra de Negrelos/Canelas, sentimo-nos por vezes na Sherwood britânica, envolvidos por densa vegetação onde só falta um ou outro curso de água para parecer o paraíso. Surpreendentemente arranjaram ali o que muitos dos que conhecemos a Serra, 12, 13 km de single tracks, subidas íngremes e descidas divertidas.
Os que se inscreveram vão-se surpreender, aos que não conseguiram inscrição, aconselho que peçam o track e descubram um novo "campo de treino" de trail. 

Não são desconhecidos para nós que por aqui andámos, mas fazem muito pela divulgação da corrida e pela promoção de hábitos saudáveis. São estes imensos anónimos por trás das organizações de provas (que não enriquecem ninguém ao contrário do que muitos pensam), free runnings, eventos desportivos vários, que fazem com que as nossas serras deixem de ser depósitos de lixo e passem a ser frequentadas por centenas de anónimos que depois de os descobrirem nas provas desfrutam destes pulmões verdes, aqui tão perto da nossa poluída rotina.
Bem hajam. 
O resultado é este. o de cada vez haver mais doidos pela corrida. Eu sou um deles e hoje com destaque. 

domingo, dezembro 01, 2013

Novo ciclo

Hoje enviei uma comunicação ao Presidente dos Porto Runners, Fernando Leite, a comunicar a minha decisão de cancelar o meu vínculo ao clube enquanto associado.

Em Outubro de 2010, depois de algumas trocas de mensagens com o Vítor Dias, e após a sua insistência para me juntar aos treinos do clube ao fim-de-semana, aderi, por sua proposta e do Luís Pires, aos Porto Runners.

Recordarei para sempre, o orgulho que foi terminar a minha primeira Maratona, envergando a camisola do clube, na minha cidade. Foi com imenso orgulho, carregado também pelo espírito de equipa (é tradição os sócios que não correm a Maratona irem apoiando pelo trajecto todos os que nela participam), que cruzei a linha de chegada, depois de todo um esforço que me trazia de volta à vida desportiva e, definitivamente, à corrida. Depois dessa, mais 20 maratonas, de estrada e ultras de montanha, e dezenas de corridas de distâncias inferiores. Em todas representei condignamente o clube, honrando-o e dignificando-o.

Fui atleta de alguns clubes, tendo mantido alguma afinidade aos ditos. Mas será sempre especial esta ligação aos Porto Runners, por me ter proporcionado a entrada no mundo da corrida, não sendo eu nenhuma mais valia enquanto resultado desportivo. E é aqui que reside a diferença deste clube. Segundo sei, a fundação dos Porto Runners, vem na sequência de outros clubes de maratonistas amadores existentes nas grandes cidades pelo mundo fora, cujo objectivo é o de proporcionar treinos em conjunto, e algumas condições preferenciais para que todos consigam correr uma ou mais maratonas. A maratona do Porto é, como se compreende, o objectivo anual de quase todos, havendo incursões a outros destinos de numerosas delegações de atletas do clube. Em Milão, a minha 2ª Maratona de estrada, fomos a maior delegação estrangeira, tendo sido mesmo o clube com mais participantes. Digamos que este é um verdadeiro clube formador de maratonistas amadores. E cumpre o objectivo na perfeição, por isso o aconselhei a alguns. Saio precisamente porque já passei a fase de afirmação enquanto maratonista. Já atingi o objectivo, e não vejo quaisquer vantagens que a minha manutenção possa ter.
Outras razões que também pesam nesta decisão, e que não abdiquei de apresentar à direcção do clube, estão explanadas na carta de desvinculação.

No próximo ano, terei outros desafios, provavelmente uma ou outra maratona de estrada, com o mesmo espírito descomprometido de quem corre por bónus, provavelmente cruzando-me em muitas ocasiões com os inúmeros amigos que fiz na corrida, muitos no clube, e todos serão tão importantes como até aqui. A única diferença será a camisola.

 

Boas corridas!

segunda-feira, novembro 25, 2013

Ultra Trail Amigos da Montanha

Acordo às 4h00 da madrugada. Mas porque raio me meto eu nestas coisas? Deve estar um frio do caraças lá fora! Ai, quanto mais velho, menos juízo tenho.

Não havia muito a fazer. Tinha convencido o Meixedo a ir a este empeno, depois de, à última da hora terem aparecido desistentes a ceder inscrições. Era levantar do quentinho e enfrentar as feras.

coffe

Depois de um pequeno almoço de esparguete de frango, e do café tomado numa bomba de gasolina com atendimento por postigo gradeado, no meio de noctívagos admirados com um “janado” de calções quando a temperatura não ultrapassava os 2º celsius, lá fui eu buscar o meu parceiro de prova. Dali a casa do Carlos Natividade não balbuciámos muito mais que fugazes “que frio”, ou “que é que eu estou aqui a fazer”. Rápida saída de um carro para o outro e siga para Barcelos, base da prova. Ali chegados, e ao contrário do que normalmente acontece nas provas de montanha, pouco convívio com outros atletas. Todos se mantinham dentro dos carros, com pouca vontade de enfrentar a baixa temperatura, na ânsia de ouvirem o tiro de partida às 7h e partirem dali mesmo. Mas não era possível, tínhamos de passar no controlo 0.

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Todos juntinhos para enfrentar o frio, lá fomos, ainda de noite, em direcção aos belos trilhos das montanhas de Barcelos. E aqui começa a crónica que vou reduzir ao essencial.

Amigos

Tinham-me dito que esta era uma prova muito “rolante” (também é), onde o atrevimento dos primeiros 30 km se pagaria mais tarde, pelo acumular dos km e da fadiga. O que todos esquecemos, é que, quando se fala em muitos km a correr, logo um organizador trata de equilibrar a corrida com subidas duras, impecavelmente distribuídas por toda a prova, para que, atentos aos sinais do corpo, os atletas façam uma gestão equilibrada que lhes garanta integridade física suficiente para terminar.

Costumo dizer que uma ultra se faz com muito juízo. Dependendo da capacidade de cada um, olhando às limitações e não embandeirando em arco antes dos últimos 10 km. Foi o que fizemos. Saímos com calma, fartamo-nos de rolar, enfrentámos as subidas estoicamente (onde sempre progredimos com algum à vontade) e terminámos a rolar, embora com os meus já habituais impropérios de mau-feitio quando a preguiça me diz para caminhar, e o Meixedo insiste em correr. E eu corro.

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A prova dos Amigos da Montanha é muito boa para quem se quiser estrear em ultras. É muito equilibrada, segura, com imenso apoio, tem paisagens fabulosas (não esqueço tão cedo o fantástico nascer do sol) muita floresta, muitos trilhos bem desenhados, marcada na perfeição e com abastecimentos 5 estrelas. Desde as bolas de berlim do pequeno-almoço (primeiro abastecimento) até ao chourição e presunto do lanche (45 km), passando pela canja do almoço (distribuídos pelas nossas 10 horas de prova foi assim que coincidiram), todos com alimento e bebidas em abundância, sem esquecerem nada.
A cereja no topo do bolo são as diferentes pequenas experiências integradas na prova, a começar pela travessia de um Rio em “slide”, o equilibrismo apoiado em cordas nas escorregadias pedras da zona dos moinhos até à travessia do Cávado em canoa (onde eu e o João fizemos um sprint e, sem conseguirmos travar, tal era a velocidade, abalroámos a canoa que tinha partido MUITO antes). Prova única e espectacular, a repetir, sem dúvida. Não ouvi um único reparo.

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Foi um excelente dia, uma prova algo sofrida depois dos 45 km, quando as cãibras me quiseram chatear sempre que mudava de subida para descida (ou vice-versa) ou quando caía (foram algumas, sem gravidade), e em excelente companhia, do já habitual meu parceiro destas lides (a paciência que ele tem para me aturar), o João Paulo Meixedo, o Paulo Pereira, numa excelente prova em ano de estreia e do inspirador atleta Tiago Dionísio que fazia a sua 274ª Maratona (!). Conseguimos (a espaço com outros) fazer um grupo que foi junto quase até ao fim (o joelho do Paulo não o deixou correr no final como queria) e que se entendeu lindamente num convívio animado.

63 Km, com 5.000 m de desnível acumulado, em pouco mais de 10h foi este o empeno.

No final, de onde partira-mos, no centro de Barcelos, uma excelente recepção de todos os que, tendo acabado muito antes, ali esperavam os que prolongam o sofrimento.

Parabéns aos Amigos da Montanha pela irrepreensível prova e a todos os que nela participaram. Parabéns aos vencedores, Luís Mota e Ester Sofia Alves. Nem a canoagem os atrapalha.

Até ao Xtmas Trail

 

P.S. – Créditos das fotos do sempre presente Miro Cerqueira e de André Alves (fonte: Facebook). Um álbum que retrata de forma excelente a prova, é este álbum, do Carlos Cardoso.

segunda-feira, novembro 18, 2013

10ª Maratona do Porto

A minha 9ª maratona de estrada (20ª absoluta), coincidiu com a 10ª edição desta que é, há muito, a mais participada e a melhor maratona em território nacional.

Pelo 4º ano consecutivo alinhava à partida da distância rainha do atletismo, depois de em 2009 ter corrido a “Family Race”, prova de 15 km, integrada na mesma organização, e que dá um colorido especial à partida, junto ao Palácio de Cristal, fazendo com que a multidão à partida seja avassaladora e arrepiante. Tanta gente tem aderido à corrida e às diversas provas que se organizam nesta cidade, que parecem ser, a seguir à noite de S. João, as ocasiões em que mais gente se junta para uma manifestação, neste caso desportiva.

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Tinha como primeiro objectivo, como em todas as provas que alinho, terminar sem sequelas, e de preferência em condições de correr no dia seguinte. É que gosto tanto de correr, que não arrisco nada para fazer melhor. Acho que devo cerrar os dentes e contrariar as fraquezas, mas nunca contrario o corpo, só a cabeça. Talvez só assim se justifique a ausência de lesões nestes anos de corrida. O segundo objectivo era terminar abaixo das 4 horas. Tinha falhado este objectivo nas 2 anteriores edições por ridículos 4 e 2 minutos respectivamente.

O UTAX tinha deixado as suas marcas, principalmente no “motor”. Sem o gripar, deixara-o cansado, sem capacidade de exceder as 3.000 rotações. Notei na descida da Avenida da Boavista, entre os 4 e os 7 km, que aquele não era dia para grandes veleidades, atendendo ao facto de não conseguir, a descer, baixar dos 5’10/km.

Nada de grave. A experiência que acumulei em tanta prova e treino, levou-me a reflectir uma simples evidência: “Se não dá para mais, não forces”, pensei. Lá fui no meu ritmo em direcção a Matosinhos, cumprimentando entusiasticamente todos os que, já em sentido contrário seguiam em direcção à Foz.

Sabia que um ritmo entre os 5’30 e 5’40 seriam suficientes para me manter a “salvo” do balão das 4h, sendo este o objectivo interiorizado, a táctica de ataque à prova. Aprendi que, mesmo tendo no momento outras sensações, a regra de ouro é comer e beber sempre. Sem sede ia bebendo água e comendo 1 gel a cada 40 minutos de prova, que se revelaram fundamentais mais à frente.

Ao km 10, 55 minutos de prova. Houve tempos em que aceleraria feito doido para baixar aquele que era um tempo vergonhoso para uma prova de 10 km, mas como faltavam 30… e 2 (há muita gente que se esquece dos 2, e o que custam…), e como ainda estava à frente do balão das 4, não era grave, era bom. Siga. Viragem em Matosinhos, vamos lá até à Afurada. Porra, lembrei-me da minha primeira prova, que também passara ali e terminou na Praia de Matosinhos e o que tinha sofrido para não andar a passo. Que diferença…

Marginal fora, tempo formidável para correr, nada de vento como no ano anterior, nem chuva, nada a atrapalhar, nem uma desculpa para não atingir o objectivo 2. Era “só” ter juízo e não abusar. A marginal entre a Foz e a Ribeira é belíssima para correr. Fui por lá fora saudando e sendo saudado por público e outros atletas, já na companhia do Renato, dos Porto Runners, que havia feito um Ironman em Outubro, e muito perto do António Nascimento, que se prepara para dobrar a distância e que ia ali em ritmo de treino longo.

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A entrada na Ribeira foi um tónico de motivação, com muito público a saudar a passagem dos atletas horas a fio (muitos espanhóis, que são sempre animados e tanto incentivam), o que contrastava com a indiferença que imperava na margem Sul, onde os clientes habituais dos diversos cafés do antigo mercado de Gaia balbuciavam comentários de análise comparativa entre os níveis de preparação e fadiga dos diversos atletas que estendiam a passagem do pelotão por múltiplos “copos de três”. Era ali o “muro”. A ida à Afurada, com retorno ao km 26, era para muitos o flagelo dos km no corpo, ou menos preparado, ou mais fatigado, ou pouco cuidado nos primeiros km.

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Em cada viragem via os balões das 3h45 e das 4h à mesma distância, o que revelava coerência no ritmo e esforço. Ao chegar de novo ao Cais de Gaia e ao abastecimento dos 30 km, começo a ver caras conhecidas a fraquejar. A tentação de parar para beber é sempre maior que a força de seguir, temos que a contrariar. Foi o que fiz. Peguei em 2 garrafas de água e segui. Chegada à Ponte Luiz I, subida que parece sempre ter inclinação e distância superiores aos 100 m que tem, e alívio por saber que era “só” acabar, depois de uma pequena incursão à marginal Este, outrora a gigante ida ao Freixo. Alívio e cansaço. Começavam a pesar os km. A entrada no Túnel da Ribeira e aquele paralelo para calcorrear é sempre um momento de superação, temos que meter na cabeça que aquilo não é assim tanto e não caminhar, como muitos já faziam. Siga.

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Depois da Igreja de S. Francisco e da chegada ao alcatrão baixei ligeiramente o ritmo. Sentia-me cansado, chegara o momento de apelar mais um pouco à lucidez. Deixei seguir o Renato, que ia mais fresco e abrandei. Fiz um descanso activo até ao abastecimento dos 35 km, na Arrábida, com passagem pela Alfândega e o apoio do Miguel Santos, fundamental, como sempre, não parando e resistindo à tentação de acelerar. Mais 2 garrafas de água, mais um gel, sempre a trote. No Fluvial fiz contas de cabeça. “Rui, falta um trote de recuperação até ao Parque”. Fui passando “caminheiros”, muitos deles tinha visto junto ao balão das 3h30 e das 3h45, nem falava com os conhecidos, tal era o medo de contágio (naquelas alturas, só nos lamentámos, acabando por influenciar quem vai, como eu ia “nos arames”). Mais um pouco de paralelo junto ao Castelo da Foz, a subir ligeiramente, onde quase todos caminhavam e eu parecia sprintar. Nova recta conhecida, a Foz à esquerda e o abastecimento dos 40 ali tão perto. De repente passa por mim um “balão” que dizia “4h00”. Era a Conceição Grare a portadora das más notícias. “Anda Rui”, dizia, “anda que vamos para baixo das 4h00”. “Para baixo das 4?”, perguntei, “és tu o balão e vais muito rápido”. Felizmente o balão “oficial” vinha um pouco mais atrás, a Conceição estava a terminar a prova e esquecera-se de tirar o balão cujo ritmo tinha sido por ela orientado até a um determinado ponto, onde passara a responsabilidade.

Há alturas numa maratona em que parecemos adormecer. Aquele momento do susto que me pregou a Conceição foi o momento de despertar. Pouco depois da placa dos 40 km, mais caras conhecidas. O Professor Ascensão e a Marisa Barros ainda lá estavam, depois de os ter saudado mais de 2 horas antes, à passagem do km 15. A Marisa coloca-se ao meu lado a correr, peço-lhe encarecidamente para não fazer de lebre que me matava. Ela sorri, dá-me os parabéns “por mais uma”, e diz a sorrir “agora é só subires, já acabaste”. Que rico tónico. Olho para a frente e vejo o Castelo do Queijo e a bela da rotunda com que vinha a “sonhar” acordado. Entro na Avenida e de repente vejo um mar imenso de cabeças e corpos a batalhar contra o cansaço.

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Senti-me tão bem na Avenida que desatei a acelerar. As cãibras quiseram começar-me a lembrar da quantidade de km, mas eu fiz-lhes um “manguito”. Cerrei os dentes, levantei a cabeça e desatei a sprintar (pensava eu) Avenida fora. Vejo ao longe camisolas do Gaia Running, equipa de amigos que treina ao lado de minha casa, e reconheço uma cabeça coberta por cabelos brancos. Era o Lopes. Vamos lá apanhar o Lopes. Apanhei o Lopes, saúdo-o a ele, ao Luis Duarte que brilhantemente se estreava, e a mais um outro elemento da equipa, e de repente entrámos num “túnel” de gente: Atletas, público e familiares de atletas, que deram um final único, emocionante e que me levaram “ao colo” literalmente até à meta e ao objectivo cumprido. Olho para o relógio ao entrar na Avenida do Parque e vejo 3h58’58. Acabei com o cronómetro oficial nas 3h59’12, o que quer dizer que devo ter batido o meu record dos 200 mt Piscar de olho

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Baixei das 4h na maratona da minha cidade, depois de o ter conseguido já em Sevilha, Sevilha, que será seguramente a minha próxima incursão à distância rainha do atletismo.

As maratonas de estrada são para quem gosta de correr, como o balneário para quem gosta de futebol. É aqui que se sente a corrida na sua plenitude. Não há espaço para descanso, abastecimentos prolongados ou outros sossegos. Tudo aqui é intenso, das emoções à gestão do esforço, à velocidade, ao juízo. E tudo se revela fundamental para o sucesso, seja para os que terminam abaixo das 3h, 3h15, 3h30, 3h45, 4h ou que se limitam a chegar. Porque meus amigos, quando chegámos ao muro, que todos queremos adiar, seja aos 30, 32 ou aos 36, a distância que resta varia entre os 30 e os mais de 60 minutos a concluir, e se correr um minuto que seja com um empeno valente é duro…

É por isso que considero todos os que correm uma maratona verdadeiros campeões. Sofre-se muito. Sofre-se o que só nós, os que as corremos compreendemos.

Os que como eu tanto gostam de trail e tão pouco apreciam alcatrão, sabem do que falo. A experiência da maratona é o clímax da corrida de resistência à velocidade. E o ambiente de superação que se vive numa maratona é mesmo único.

Parabéns a todos!

Venha a próxima!

 

P.S. – Créditos das fotos aos sempre presentes: Lina Branco Batista, Miguel Martins, Paulo Rodrigues e Clinica Médica da Foz. Obrigado!

segunda-feira, outubro 21, 2013

Ultra Trail das Aldeias de Xisto

Repito-me ao considerar as provas de trail como reuniões de família, onde todos se conhecem, ou se não se conhecem, facilmente se integram. Como em todas as famílias, há uma altura no ano em que a reunião é especial, uma espécie de banquete de Natal, onde todos se reúnem e celebram mais um ano, com farta mesa, onde há de tudo. O UTAX é a celebração do trail em Portugal. Com uma prova de 88 km e outra de 45 (Trail da Lousã) cuja designação é fiel ao percurso, com passagens por Aldeias de Xisto, tem a distância e a localização ideais para reunir os amantes do trail nacional, numa Serra que é um hino à natureza, com um pinhal imenso, quedas de água, rios e ribeiros, aldeias preservadas e recuperadas, e uma paz de cortar a respiração. A vontade que nos dá é de parar, contemplar e chorar para dentro o rol de sensações que só uma beleza daquelas nos induz.

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Sexta-Feira, dia de verificações técnicas e levantamento de dorsais para os atletas da Ultra, ao chegar a Castanheira de Pêra, base da prova, foi provavelmente o dia em que mais chuva, das fortes, vi cair. Estava apreensivo. Apesar da confiança que tinha nas pernas e na cabeça, as imagens da prova dos Abutres em Janeiro deste ano, onde abundaram a lama e água daquelas cercanias vieram-me à memória. Temia passar no dia seguinte o mesmo que passara então, calcorreando trilhos lamacentos e penosos, onde a difícil progressão duplicam o cansaço. Enfim, temores que felizmente não se confirmaram. Depois de uma noite dormida rapidamente, no lotado pavilhão da escola local, e já com café tomado numa pastelaria que abrira propositadamente às 5h, dirijo-me para o controlo 0. Muitas caras conhecidas, muitos bons dias com sorrisos ensonados, um flash aqui e ali das habituais fotos, um ambiente calmo, sereno e de sã convivência, como são sempre os que antecedem estas provas.

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Dada a partida, lá fomos a despertar os músculos em direcção às eólicas, cujas luzes sinalizadoras se avistavam bem lá no alto, por um pinhal onde rapidamente se dispersou o pelotão. Pouco depois, ainda no início da subida, reagrupámos todos, uns subiam, outros desciam, estávamos todos perdidos. Todos, do primeiro ao último. Esperámos pelo vassoura que nos encaminhou para o “Downhill” (feito uphill) que nos haveria de encaminhar até ao alto da Serra. As marcações, talvez devido à chuva e ao vento forte do dia anterior, eram deficientes em muitos pontos do percurso, sendo mais difícil o período nocturno. Registe-se que, a nível de percurso, só uma ou outra falha de marcação não pode diminuir o excelente trabalho de limpeza de trilhos e sua escolha. É uma prova com um percurso equilibradíssimo, onde não faltam zonas de trilhos planos ou pouco íngremes onde se corre durante quilómetros, passando por single tracks sinuosos em matas fechadas, e cujo final tem a sensatez de ser em estrada, estradão e trilhos pouco técnicos, provavelmente a pensar nos atletas mais lentos, como eu, que chegando ali já de noite, têm dificuldade duplicada pelo cansaço e ausência de luz natural.

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A partir daqui, já com o dia a raiar, o pelotão foi dispersando serra fora. Até aos 16 km, primeiro abastecimento, foi um agradável serpentear, divertido e luxuoso aquecimento. No primeiro abastecimento, primeira desilusão. Não havia nada com sal, o isotónico tinha acabado, sobravam gomas, banana, laranja e alguns biscoitos. Salve-se a simpatia dos voluntários, enchiam-se os reservatórios com água e voltámos ao trilho. Até ao segundo abastecimento, na belíssima Aldeia de Gondramaz, houve de tudo. Subidas, descidas, belas paisagens, florestas pintadas de cores e frutos de Outono, muita castanha espalhada pelo chão, enfim, trail do melhor. No abastecimento, mais do mesmo. Gomas e pouco mais, o resto tinha acabado, não havia rede de telemóvel e aguardavam por reforço do abastecimento. Daqui até ao Espinho, um trilho fantástico, que fiz sozinho, por ribeiros, pontes feitas de troncos de árvores, onde o sol chega por finas linhas douradas que embelezam a verdejante paisagem. Se há paraíso deve ser parecido com aquele percurso. No Espinho, ao passar no “Ti Patamar”, conhecido ponto de abastecimento de muitos dos que treinam por aquelas bandas, deu-me vontade de parar, mas sem companhia, segui caminho. Pouco mais à frente, na dura subida que antecedia a Lousã, encontro o “trio abutrico” que me acompanhou até ao fim, o João Lamas, José Carlos Fernandes e Tiago Santos. Ilustres “habitués” daqueles trilhos, organizadores da prova dos Abutres, tinham já “abastecido” no Ti Patamar. Por pouco perdera o melhor da festa. Lá seguimos juntos até ao Hotel Mélia, onde nos aguardava um abastecimento ultra: Canja, chá, café e todos os petiscos que lá faziam falta e que estavam em quantidade mais que suficiente. A acompanhar o aconchego do estômago, um saco previamente deixado à organização, com roupa seca e sapatilhas de reserva. Como estava confortável, nada mudei, limitando-me a meter na mochila uma camisola térmica de reserva.

Partimos de seguida em direcção à segunda parte da prova, com passagens por mais escadas infindáveis a cruzar as aldeias espalhadas pelas verdejantes encostas, fontes, castelo, uma levada belíssima onde correr era arriscado pelo perigo de cair ribanceira abaixo. Contemplação. Admirável Serra, esta bela Lousã. Espero que a conservem, há pouco em Portugal com tão assombrante beleza.

UTAX

Tinham-nos avisado no briefing, que por motivos de segurança havia sido abolido o PAC 5, passando a prova directamente do 4 para o 6. Assim foi. Um pequeno abastecimento aos 54 km de prova e a subida, tão bela quanto dura ao Trevim, ponto mais alto da Lousã, aos 1200 mt. A subida havia começado perto dos 200, com a levada a meio para “descanso”. Ali chegados, contemplámos, já na companhia do Rodolfo Rapaz e do Pedro Rodrigues (fotógrafo de ocasião), que se tinham juntado a nós na subida, a maravilhosa vista. O cansaço era pequeno perante tamanha beleza. Seguiu-se uma descida acentuada e nova ascensão, desta vez à Sra das Neves, onde entrámos no trilho que nos levou até ao PAC 7, na Aldeia do Coentral. Novo abastecimento reforçado, com canja quente, sandes de chourição e nova incursão do “trio abutrico” ao tasco local para mais uma mini.

Com a noite a cair, lá fomos juntos até final, aproveitando os cerca de 14 km finais para fazer recuperação activa. O facto de o percurso ser ali menos exigente, permitiu-nos recuperar forças sem abusar nos andamentos. Acabámos juntos, animados e com vontade de voltar, com 14h58 de prova. Previra 20h. Mesmo com 76 km registados no relógio oficial do nosso pequeno pelotão, sentimos-nos todos com dever cumprido.

utaxfin

O UTAX é, como referi no início, uma excelente prova. Organização excelente, com um avançado controlo de passagens com actualização on-line, sem confusão nas entregas de dorsais e verificações técnicas, boas condições de solo duro e boa refeição final, abastecimentos excelentes a meio e ao km 75, e excelente percurso. Como em todas as famílias, quando vamos a um banquete festivo, podemos não gostar de tudo, mas não é o facto de as rabanadas estarem queimadas, ou a sopa insossa, que vamos dizer que o banquete foi um fracasso. O facto de as organizações, com esta conjuntura económica, lutarem com menos apoios, faz com que nem tudo seja perfeito. É compreensível. Talvez possam mudar o excesso de gomas para mais alguns pacotes de batatas fritas, o sal faz-nos muito mais falta. Quanto às marcações, obrigado por me fazerem dar mais umas voltas naquelas fantásticas paisagens. Não dei como perdido nem um metro do que fui fazendo a mais para encontrar o caminho. Deslumbrei-me com cada pedaço de trilho que percorri, com cada castanheiro que contemplei, com cada pássaro que chilreava nas densas florestas que cruzei. Fiquei cheio de vontade de regressar. Se não tiverem abastecimentos, por mim não há problema, levo sempre a mochila com comida, e um reservatório para água que por lá abunda. Temos que encarar os trails, cada vez mais como provas de auto-suficiência e cada vez menos como banquetes organizados. Os abastecimentos fazem parte do banquete, mas o prato principal é aquilo que nos vai fazer a todos voltar no próximo ano: A mais bela, equilibrada e brutal prova de trail que por cá se faz.

Parabéns a todos os que se aventuraram nesta epopeia, ao vencedor Armando Teixeira em masculinos e à Ester Sofia Alves no feminino, a toda a organização e voluntários, que foram inexcedíveis. No global, o saldo é amplamente positivo.

Portugal tem excelentes serras para correr. Haja mais “Go Outdoor” para as organizar. Se o circuito Ax Trail é assim, merecem apoios para o reactivarem. Fiquei “cliente”.

sexta-feira, outubro 18, 2013

Obrigado!

Ontem, ao ler e reler todas as mensagens publicadas no meu mural do Facebook, revi quase toda a minha vida. Desde colegas de banco de escola, passando pelos camaradas de tropa, até aos companheiros da vida, de trabalhos, da corrida, das simples amizades ou de algo mais, tudo está aqui agrupado. A forma que tenho de vos agradecer é a mesma caso não tivesse outra, dizer-vos que todos fazem parte de um trajecto de vida que continua, onde tudo acaba, mas nada tem validade.
Leiam este post que convosco partilho, de uma pessoa inspiradora, que se recusou a ter prazo e que, graças à atitude que demonstra, superou todas as estatísticas. Como ele diz, é preciso continuar a viver, apesar do que quer que seja. Todos tenhamos consciência, que o que queremos fazer não deve esperar por melhores dias, porque os melhores dias são estes. Temos o que vivemos e devemos viver sem ser na corda bamba do que vai terminar, mas no que há para viver. Como dizia Pessoa, "Vivo sempre no presente. O futuro não o conheço, o passado já o não tenho".
Obrigado por me darem o privilégio de serem parte da minha vida.
Beijos e abraços!

"...dia de molhanga hoje, e grande conversa com o meu médico (um dos que me segue) que adoro (síndrome de Estocolmo - ;.) )...

...falámos do prognóstico e de tempo de vida;
...eu nunca perguntei a nenhum médico quanto tempo de vida tenho; a razão é simples, sem bens nem rendimentos, não saberia o que fazer com essa informação, a não ser tirar fotocópias e arrumar papéis; coisa que nunca faria se tivesse duas semanas de vida;
...a ética/deontologia/ escola médicas obrigam o médico à verdade, conceito não absoluto, logo porque pode ser contar tudo ou não dizer mentiras; mas acho estranho que alguém faça a pergunta e mais estranho ainda que o médico dê essa informação por várias razões:
=> não acredito que seja a regra, mas não existirão alguns muito poucos médicos que baixam a esperança de vida para parecerem génios na gestão da doença?
=> além da classe modal, cujas estatísticas estão disponíveis online, só acontecem excepções; quantas vezes não ouvimos alguém que tinha 6 meses durar cinco anos? Na vastíssima maioria dos casos o doente ultrapassa o tempo comunicado;
50% dos cancristas de pulmão morre no primeiro ano; porque normalmente este cancro é insidioso e uando o pciente chega ao hospital já está todo roto; eu já cá vou a caminho dos 5 anos....graças a Deus só soube desta estatística há pouco...
=> a fixação de um prazo de validade retira energia e motivação para o aproveitamento do tempo de vida; ou seja o tempo da morte é trabalho do médico e da medicina, o tempo da vida é do cancrista; eu não preciso de saber quanto tempo vou viver, porque alterarei a minha vida em função do meu prazo; à partida eu calculo que não viverei tanto como os outros, mas cada dia meu tem e deve ser igual a todos os outros, até ao último;
=> A teoria dos bucket lists, popularizada por um lindíssimo filme de Morgan Freeman e Jack Nicholson; tive a graça de viver o meu bucket list desde a minha adolescência, e da maioria das coisas que queria fazer na vida já as ter feito; além disso a maioria das coisas que agora me faz feliz e me energizam não custam dinheiro; mas não as aproveitarei da mesma maneira com um prazo;
Se eu tivesse dinheiro e tivesse vivido uma outra vida, não quereria aproveitar o tempo que me sobra para subir o Himalaia ou uns gang bangs em Las Vegas? Dont think so; até porque não saberia como as poderia aproveitar com o cutelo em cima da cabeça; se alguém tem cancro, não faz a pergunta e se puder e tiver recursos, corra para o seu bucket list, seja essa a opção sem necessidade de saber que são 4 semanas ou 6 meses;

=> certo que certas coisas poderão ficar melhor arrumadas e não deixadas ao descuido, como a educação dos filhos, a questão patrimonial para quem o tenha, o testamento espiritual, os nossos objectos pessoais, etc etc; mas tudo isso pode ser tratado já, sem saberem esse errado prazo!

Portantos:
1 - Não perguntem nunca qual o vosso prazo de validade;
2 - Peçam ao vosso médico para não o dizer;
3 - Organizem-se e bucketizem o que quiserem, já; não como se tivesse medo de não viver para sempre, mas porque isso vos poderá tranquilizar e energizar;
4 - Não leiam as estatísticas, por causa do frango;
5 - Quando alguém vier dramaticamente vos dizer que têm x semanas ou meses, digam-lhes que é mentira, porque eu disse que era mentira e que o prazo será maior; acertarei em mais de 90% dos casos!! nos casos em que falhar faltará decidir para quem vai a cómoda da Tia Mariazinha, o que não é muito grave...

Esqueçam este assunto. o segredo é sempre o mesmo, poderemos morrer da doença, mas a doença numa nos matará, porque viveremos todos os dias como se não a tivéssemos, como se ela não fosse um assunto! (minimizando a dor e desconforto, tentando todas as terapias, rodeando-nos de pessoas boa onda, replicando e repetindo os cassos de sucessos, etc etc etc...)"


O texto original pode ser lido aqui.

terça-feira, outubro 15, 2013

O Urban Trail é “me(u)”, disse o Porto

Foi aqui que ele nasceu, num aparente longínquo Abril. Vou reler o texto que escrevi então, e reparo que passou apenas pouco mais de um ano.

Longe vão os dias em que correr escadas acima, rampas e ruelas escuras abaixo, nas zonas históricas do Porto e Gaia, era regalia de alguns, que na ânsia de treinar desníveis como os das montanhas, que tanto apreciam e onde correm quando podem, calcorreavam-nas todas, descobrindo todos os caminhos sinuosos, cinzentos, rudes e belos, já coroados como Património da Humanidade. São cada vez mais a fazê-lo. Tudo graças à iniciativa de alguém que, afectado pelo desemprego, pôs mãos à obra e não descansou enquanto não viu o sonho concretizado, com a ajuda de alguns e o apoio de outros, que superiormente reconhece.

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O Urban Trail é um acontecimento único. Há imensas corridas, mas só esta consegue fazer desfilar pela cidade, um bonito carrossel de luz e gente bem disposta, que parece querer prolongar o privilégio de tomar a zona histórica de assalto, não forçando o passo para poder usufruir por mais tempo.

Como habitualmente, fiz a prova na cauda. “Varri” a primeira edição, (a pirata e a oficial), e o Jorge Azevedo e o Miguel Catarino, organizadores da prova, desafiaram-me a repetir a experiência. Desta vez levei uma bandeira no lugar da vassoura, o que não impediu que, por onde passasse, todos me apelidassem de “carro vassoura”. Foram 2h14 para fazer 12 km, mas já não me vejo a fazer esta prova num ritmo rápido. Logo depois da partida na Ribeira, e de percorrer a Ponte Luis I (tiraram-lhe o “Dom” por ele se ter baldado à inauguração), o primeiro grupo a passo, apesar de o terreno ser ainda plano, fazia-me adivinhar o que vinha. Seria um longo passeio. Ribeira de Gaia fora, com um belo espectáculo de cor do outro lado, com a multidão alinhada para a partida da caminhada, lá fomos ora a correr, ora a saudar quem nos saudava. Primeira subida, o grupo engrossa com alguns que sentem pela primeira vez a inclinação da zona ribeirinha nas pernas. “Ó Sr. faltam muitos?”. “Sou o último”. “Então força, que isto sobe muito”. Lá fomos em direcção à Taylor’s, por onde passámos entre pipas de história em forma de vinho, onde só faltou a prova de um vintage. Mais umas vielas e ruelas, passagem pelo Yeatman e chegada ao fantástico ponto de observação do Porto, a Serra do Pilar, com passagem pelos claustros do Mosteiro. Aqui, talvez devido à água bebida no abastecimento, um grupo de corredoras vai ao wc, e eu, claro, espero, enquanto o corrupio de caminheiros continua a ultrapassar-me. Caminheiros rápidos vs corredores lentos. Descida ao tabuleiro inferior da Ponte pela rua do Casino (é verdade, chama-se assim e o casino existiu mesmo, em tempos) e, já com a companhia do João Meixedo, subida das escadas do Codeçal, rumo à habitual passagem pela Muralha fernandina e descida à Sé Catedral. Tanta história tem o Porto, que passámos por muitos mais monumentos que os que aqui vou referindo, e que provavelmente passam despercebidos a tantos que por eles passam diariamente na azáfama da rotina. A nós, que fazemos destas ruelas e escadas pista de treinos, só as passagens que referi são novidade, todas as outras estão disponíveis no dia-a-dia.

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Depois da Sé, seguimos rumo à Vitória, onde iniciámos o abastecimento, e que durou quase até ao Palácio.

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Um serpenteado desenhado nos jardins do Palácio de Cristal, descemos à marginal, onde rumámos à meta instalada junto ao Cubo da Ribeira.

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Foi este o grupo (Iolanda Barros, Ivone Ganso, Sandra Pascoal, João Meixedo e Nuno Godinho) que nos acompanhou quase toda a prova. Pouco habituados a correr, fizeram das tripas coração, e apesar da lesão num joelho da Iolanda, acabaram com brio, a primeira das, espero, muitas provas que farão a correr. Porque tudo tem um início, tudo tem uma primeira vez, e para primeira vez, um trail urbano com mais de 500 mts de desnível positivo, é obra. E sempre bem dispostos. Virtudes do desporto, apesar das dificuldades, há sempre um sorriso de satisfação.

Parabéns ao meu amigo Luís Pereira, brilhante vencedor, num tempo que, com certeza, não o deixou apreciar a paisagem. Voou literalmente. 

Parabéns à organização, que resolveu com mestria o imbróglio que é o de separar a corrida da caminhada, apesar de partilharem parte do percurso, sem que deixasse de haver muito público sempre, e sem haver, aparentemente, qualquer desagrado por parte dos atletas. Foi uma festa, e as festas, no Porto, são sempre bonitas e animadas.

Venha o próximo!

quarta-feira, outubro 02, 2013

Mudar de direcção

O meu pai foi policia 11 anos. Ainda hoje, aos 76 anos, conduz como lhe ensinaram na extinta Polícia de Viação e Trânsito. Faz pisca para sair de estacionamento, pisca para mudar de direcção, para estacionar, pisca sempre. Chega ao cúmulo de alternar os piscas enquanto faz a manobra de inversão de marcha. Exageros da boa formação. Hoje de manhã andei uns quarteirões atrás de um carro patrulha que nem um único pisca fez. 
Há pessoas que assinalam tudo, desde mudar de emprego, de passatempos, de mulher, de carro, enfim, do que quer que seja, e dizem-no ao núcleo mais próximo, sejam amigos, família ou ao merceeiro. Outros há que nos surpreendem pela mudança sem nada o prever. 
Esta sociedade que foi criada, de rotinas, de Pais, filhos, família, trabalho, amigos, tem virtudes e ainda mais defeitos. É uma sociedade rotineira, onde todos pagámos um preço pela circunstancial liberdade que todos cremos ter. Estamos agarrados à família, ao banco que antecipou o dinheiro para a casa ou para o carro, ao emprego que permite ter todos os comodismos de que não se quer prescindir, à mulher que lava a roupa, passa a ferro, faz o almoço e outras cordialidades, ao leva à escola-traz da escola-leva ao treino-deita na cama, enfim, às rotinas da sociedade urbana moderna. 
Para tudo isto vivemos em caixotes verticais que chamamos prédios, com plasmas e pc's, smartphones e tablets, por onde vemos passar sonhos que só conquistamos com uma volta pela rotina ainda naquela noite e em todos os dias que se lhe seguirão. 
Ocasionalmente somos felizes, mas no dia-a-dia somos rotineiros. Já lá vão os tempos em que tudo era novidade. 
Cada vez mais os nossos anos parecem meses, quando nos tempos em que éramos livres, os meses nos pareciam anos. Agora, em cada Segunda-Feira há um regresso à rotina. A sua ausência só é permitida para os que ainda não têm contas para pagar, filhos para tratar ou conjuge para amar. Esses mantêm a ânsia de cumprir o sonho, que se transformará naquilo que é o homem da sociedade moderna. E depois desiludem-se e vêm que, afinal, os contos de fadas são só isso, Contos de Fadas. 
Na vida como em tudo, o entusiasmo é apenas no início, quando tudo é novidade, quando queremos sentir mais e mais sensações, experiências, vivências, coisas novas! E fazemos sempre os mesmos gestos à espera de resultados diferentes... É a segurança da rotina. 
Na corrida, ao contrário do resto, tudo se sente mais intensamente. Buscamos ali o sorriso fácil, a dor que não esperávamos, ou a sua ausência quando a tínhamos como certa, a sã convivência com quem queremos conviver, o simples prazer de lutar contra muros e intempéries que nas rotinas não somos capazes de enfrentar. Na corrida somos de novo livres, e por isso corremos. Uns e outros, aqui e ali, de madrugada, sozinhos ou em grupo, às vezes em silêncio outras a conversar. Corremos apenas porque sim.
Eu não faço "Planos de treinos". Tenho para mim que fazê-lo é comprometer aquilo que a corrida trouxe de diferente para a minha vida: A liberdade de poder escolher o "Quando, onde, como e com quem", sem fazer fretes, numa espécie de relação aberta. Como no sexo com uma amizade "colorida", (o inesperado sabe sempre melhor, daí ter sempre sapatilhas no carro) se nos encontrarmos e nos apetecer, tudo bem. Até pode ser com um desconhecido ou com quem já nos havíamos cruzado, isto sim é a pureza das coisas que nos dão mais prazer e que mais significado têm, pela ausência de rotina. Por isso gostamos tanto das férias, ou de surpresas. Isso sim é viver, o resto é rotina para mantermos o "status quo". 
Apetece-me mudar de direcção e vou fazê-lo, mas sem "dar pisca". Não que os "condutores" que vêm atrás não mereçam consideração, apenas e só porque não quero rotinar a minha vida. Acontece o que tiver de acontecer, sem "Planos". "Dar pisca" e depois não "virar" é bem pior que não assinalar, porque as desilusões nascem da expectativa. 

domingo, setembro 29, 2013

3ª Edição Grande Trail Serra D’Arga

 

Mais um encontro com a paixão.

A reportagem jornalística, seria mais ou menos assim:

- Mais de 1800 inscritos nas diversas provas, desde o Trail Jovem até à distância rainha de 45 km, coloriram o horizonte cinzento da intempérie que se abateu ontem sobre a outrora verde Serra, flagelada pelos recentes incêndios. Os aventureiros atletas que desafiaram a chuva e vento fortes, provaram que também é possível correr sobre os rios, tantas eram as linhas de água que corriam sob seus pés.
Os resultados podem ser consultados aqui.

Como não sou repórter, deixo esse relato para quem estudou belíssimas formas de descrever o “onde, quando, como e porquê”.

Sou totalista das edições do GTSA. Na primeira edição ficámos pelos 21 km, na segunda conseguimos terminar em beleza toda a distância, num belíssimo dia de sol. Ontem, apesar da chuva intensa, da lama resultante dos incêndios do último verão que fustigaram a Serra, e do vento forte, tudo decorreu mais ou menos dentro da normalidade.

Não se pode esperar do trail em Portugal muita “paz”. Caso as provas não se aventurem em maiores quilometragens, o recente boom de participantes de provas em montanha vai fazer com que haja cada vez menos uma família do trail, transformando esta numa imensa comunidade. Longe vão os tempos dos pioneiros do trail em Portugal, em que os participantes e respectivas famílias enchiam uma sala de restaurante no fim das provas. Hoje em dia, com a quantidade de atletas que calcorreiam os trilhos, nem 1 porco assado servido em sandes é suficiente. Os balneários da 1ª edição desta prova, onde lamentávamos o corte da prova pelo mau tempo, foram substituídos por gigantescas tendas instaladas no campo de futebol, que, como sempre, servia de parque de estacionamento, parque esse já insuficiente para mais de 1800 atletas e famílias. Há 2 anos cheguei cedo, pelas 6h00, cruzei-me com o Carlos Sá, vi alguns atletas a acordar, e recordo-me que, pouco depois das 7h ainda se conseguia estacionar junto ao Centro Cultural de Dem, base da prova. Ontem, com o triplo dos atletas inscritos, às 7h10 já era difícil levar o carro até ao campo de futebol. O burburinho da 1ª edição passou a caos. Aqueles momentos que nos habituámos a ter antes das provas de trail, em que todos nos cumprimentávamos e que tão intimistas e únicos nos pareciam, tendem a desaparecer. Não é mau que assim seja. O sucesso que muitos atletas têm tido, o convívio com a natureza que proporciona (apesar de ainda haver muito porco a deixar lixo nos trilhos) e a paixão que estes desafios geram, faz com que sejam cada vez mais os que se aventuram nestas provas. É normal. Na Europa já há muitas provas por sorteio por isso mesmo, portanto nada de novo.

Devido às eleições autárquicas, a prova teve de ser antecipada um dia, sendo assim corrida a um Sábado, o que considero ideal, para podermos todos recuperar no Domingo, mas antecipou também as jornadas técnicas para Sexta, à noite. Às 20h50, quando saímos do Hotel em Caminha, onde decorreu também a Expo-Maratona, ainda nem tinham começado. Depois de um dia de trabalho, viagem para Caminha, prova a começar cedo, lá fomos jantar, eu, o Carlos Natividade, João Meixedo, Vítor Dias e Miguel Santos. Como íamos dormir perto de Ponte de Lima, em Lanheses, casa da família Meixedo, prescindimos de ouvir as palestras e fizemo-nos à “vida”. Num restaurante onde já estava uma bela matilha (os nossos conterrâneos Cães d’Avenida), atirámo.nos a chouriço assado, costelinhas na brasa, arroz de pato no forno (com pato), sobremesas à altura e maduro branco para não descurarmos a hidratação. Tudo como mandam as regras do trail: Conviver. Repasto concluído, lá fomos estrada fora até Lanheses, com alguma chuva, que já fazia adivinhar o banho do dia seguinte. Como habitual quando nos juntámos, deitámo-nos tarde, demasiado tarde, para lá da 1h.

GTSAjantar

gtsapato

Acordámos cedo, fomos para Dem e para a linha de partida à espera do controlo 0. O Regulamento obrigava-nos a levar (com indicação de controlo de material na partida e controlos surpresa durante a prova) desde manta de sobrevivência, até ao frontal. A ausência de qualquer um dos itens obrigatórios implicaria penalizações, de 1h até à exclusão. Alguém foi controlado? Nada. Pareceu-me demasiado displicente, estando o dia que estava, querendo crer que todos levaram o material obrigatório. É normal, e estava referido no dito regulamento, que quando vamos para a montanha, aquele equipamento deve-nos sempre acompanhar. Mas numa prova que começa e acaba de dia, com tempos limite de passagem, obrigar a levar frontal…

GTSA

A corrida decorreu como seria de esperar. No meu caso, comecei como acabei, a andar nas subidas e a correr nas descidas e em plano, o que fez com que, apesar de termos saído em últimos (não resistimos a uma foto de um ou outro fã), tenhamos acabado por ter ultrapassado imensa gente até ao final.

GTSAFans

Esta prova é uma verdadeira prova de resistência e deve ser feita com muita cabeça. Quem abusa até aos 21 km, normalmente paga na segunda parte, muito mais exigente e onde se concentram as maiores e mais duras subidas. A beleza da serra, ontem, escondeu-se por trás de um nevoeiro que persistiu até ao fim. Talvez tenha sido melhor assim, porque o cinzento das cinzas que a cobre em grande parte, não é o melhor atrativo para voltar. Tenho quase a certeza que muitos dos que lá foram voltarão e trarão mais gente para a admirar. Já eu não sei se farei de novo uma prova que, apesar de continuar a achar a mais equilibrada em quase todos os pontos, se está a transformar em algo demasiado grande que, sem desprimor, não me atrai. Os abastecimentos ontem eram em fila. O abastecimento dos 30 km, talvez o mais importante por ser depois da longa subida desde S. Lourenço até à Sra. do Minho, onde voltaria por nova exigente subida, quando lá cheguei, já não tinha nada com sal, e tudo o resto escasseava. Salvou-se com o chá de cidreira. Mas atrás de mim vinham mais de 100 atletas, pareceu-me que seria o abastecimento mais importante da prova e no entanto era mais pobre que o dos 15. Valeu-me o hábito de contar sempre com o meu abastecimento. É assim que faço, se o da organização não falhar e o meu sobrar, melhor.

GTSAAltim

As marcações estavam aceitáveis, não me perdi em qualquer lugar, havendo no entanto quem se tenham enganado, ou tenha sido induzido em erro por elementos afectos à organização, como foi o caso de um grupo de favoritos da prova de 21 km.
Os brindes oferecidos (camisola térmica e colete de finisher) são de excelente qualidade, as jornadas técnicas boas e os banhos excelentes.
Talvez não fosse má ideia colocarem a meta junto da zona de balneários e parque, para haver mais gente junto à chegada dos participantes. Cheguei com cerca de 8 horas (menos mais de 2h relativamente ao ano anterior) de prova e havia um silêncio ensurdecedor junto à chegada, salvo 3 ou 4 voluntários que, 200 metros antes saudavam os que concluíam a corrida.

Parabéns aos mais de 1300 finishers, muitos deles estreantes. E que estreia. É uma excelente “prova” para quem se quiser estrear numa distância não elevada, mas com imensa exigência.

Espero voltar a conviver com muitos dos com quem lá me cruzei, e continuar a poder usufruir da amizade dos que comigo fazem o favor de partilhar largos quilómetros de treinos e aventuras. Gosto muito de correr, é um bónus que a vida me deu e que espero continuar a fazer por longos anos. Mas do que mais gosto é do espírito “Ultra”, de quem leva ao extremo a sua paixão e corre horas a fio, sem sofrimento, esse fica para os que competem. Porque apesar dos empenos, o que fica sempre, é a vontade de voltar a passar os belos momentos que passei entre Sexta e Sábado à noite. Do repasto de Sexta, até à Pizza em Portuzelo com que selámos o GTSA 2013, passaram menos de 24 horas, mas a intensidade e prazer que tirei de todos os momentos, de todas as incidências típicas da corrida, valeram muito. É isso que me faz querer continuar apesar de, aparentemente, haver coisas melhores para fazer num fim-de-semana chuvoso. Mas para nós que gostamos tanto disto, não há melhor do que partilhar esta insanidade que nos une e nos faz sentir de bem com a vida, como crianças despreocupadas com o futuro. É a paixão que nos une.

São assim as paixões, ficámos sempre à espera do próximo encontro.

terça-feira, setembro 24, 2013

A importância da comunicação

A respeito deste post no Facebook de um atleta, que por acaso também é organizador de uma (excelente) prova de trail, apeteceu-me dissertar sobre a corrida, cada vez mais virada para grandes públicos e cada vez mais em moda, mas também, ainda pouco tratada como a evolução merece. Há ainda muito amadorismo nas organizações das cada vez mais lucrativas provas de corrida, sejam em montanha ou em estrada.

Desde o organizador de uma prova na Serra da Estrela, de 100 milhas, onde se perderam vários atletas por deficiente marcação, que se perde a retirar as ditas marcações e é resgatado pelas autoridades já quase em hipotermia extrema e colocando a própria vida em perigo, até à prova de estrada sem água nos abastecimentos, com temperaturas acima de 30 graus, já tivemos de tudo. Chegámos ao cúmulo de, depois de alguns atletas se enganarem num percurso numa outra prova de trail (curiosamente, ou não, do mesmo organizador da de 100 milhas) por deficiente marcação, e inclusive por marcações ainda da prova do ano anterior, culpar os atletas pelo erro, por, pasme-se, não terem assistido ao briefing. Como se as provas, pagas pelo atleta, não tivessem qualquer responsabilidade sobre aquilo que prometem, organizam e cobram. Temos agora a originalidade de chamar “espontâneo” a um termo de responsabilidade obrigatório, com cláusulas que roçam quase o ridículo, e onde só falta a obrigatoriedade de indemnizar a organização caso causemos incómodos de maior.

Podia dar-vos mais exemplos. Há muito amadorismo no tratamento dos milhares de atletas que enchem estas provas, quase tanto como a leviandade com que a grande maioria dos atletas tratam a corrida. Calçam sapatilhas, compram uma mochila, um frontal, géis e barras, um bom corta-vento, e fazem-se às provas sem sequer fazerem um exame médico que ateste a capacidade da máquina em fazer grandes esforços. Duvido que, dos mais de 700 (!!) inscritos no próximo Trail Serra D’Arga, metade saiba qual o estado do seu corpo. Gastam mais de 600€ em equipamento, sobra pouco para os cerca de 50 ou 60 que custaria um exame médico desportivo.

Mas este texto é sobretudo sobre as organizações. As provas de estrada em Portugal são organizadas por amadores. Há algumas empresas ligadas ao ramo, cujos proprietários se dedicam em exclusivo à organização destes eventos, mas que evoluíram de organizações puramente amadoras, de tempos em que a corrida era pouco expressiva em termos de adesão de amadores, e que continuam assentes no mesmo método de trabalho. Temos que lhes dar o mérito que têm, reclamam e merecem. Talvez eles devessem aceitar as críticas, não com humildade, já que o profissionalismo não pode ceder a sentimentos, mas com o profissionalismo e bom senso que é recomendável a quem dá a cara por marcas de renome. Porque quando se responde a um “cliente”, responde-se com vários fatos vestidos, o seu e o dos patrocinadores.

Sou profissional da área comercial. Lido com clientes todos os dias. Muitas vezes respiro fundo, grito para dentro e controlo os meus ímpetos (estes sim espontâneos), que me levariam a tratar com os pés aquilo que deve ser tratado com pinças. O cliente nem sempre tem razão, há imensas coisas que ele desconhece e que levam ao resultado que ele vê, mas isso é inexplicável quando o objecto de tudo o que está oculto aos seus olhos, é ele próprio. Claro que tudo isto é gerenciador de stress, de algum sentimento de frustração do nosso lado “animal”, que gosta sempre de dominar e terminar qualquer contenda com o pé em cima do adversário, mas não pode ser. Devemos, quando lidámos com clientes, manter a mão estendida disponível a um entendimento, sob pena de, sendo o resultado um cliente insatisfeito, estarmos a fazer transparecer uma ideia errada sobre todo o esforço despendido para a sua satisfação, e o malvado não o compreender.

Há no entanto uma empresa em Portugal que é quase exemplar nos eventos que organiza. Pelo menos aos meus olhos. Evoluiu pelas mãos de um homem: Jorge Teixeira.
Participei em imensas provas organizadas pela Runporto, desde a “Corrida do Homem e da Mulher”, passando por corridas solidárias, até às 1/2 maratonas e maratona (vou para a quarta participação em 10 edições), e a ideia que tenho é que a evolução tem sido muita e se nota cada vez mais profissionalismo e atenção aos pormenores, havendo sempre coisas a melhorar, como em tudo na vida. A perfeição não existe e só erra quem trabalha. E se há coisa que uma organização destas dá, é imenso trabalho. Pensa-se que se enriquece com a organização de corridas, mas não consta em nenhuma lista de milionários, qualquer homem dedicado em exclusivo a esta actividade. Tem que se ter paixão, dedicação e muito trabalho e vontade de vencer.

O dono da Runporto, é um homem dedicado à corrida e à sua divulgação, e um dos principais responsáveis pelo boom de corredores nas nossas ruas, ao organizar superiormente muitos dos eventos de corrida do Grande Porto. Conheço-o pouco. Conto pelos dedos do meu corpo, as poucas palavras que com ele troquei, uma vez na sua “Loja do Corredor”, uma ou outra vez nos aniversários do meu clube, ou num ou outro encontro ocasional. Conheci um dos seus filho na Maratona de Lisboa, esteve em alguns pontos da prova a apoiar-nos, e ainda hoje, simpaticamente me saúda quando nos cruzamos numa ou outra prova. São gente de trabalho, toda a família se dedica à Empresa. São seguramente boas pessoas porque eu olho para a equipa da Runporto e vejo os mesmos há anos a entregar dorsais, a montar as estruturas, nos controlos de provas, etc. Este é normalmente um indicador de gente satisfeita com o ambiente, método e com o resultado do trabalho que fazem. Acredito que são uma equipa consolidada porque o líder é forte, sabe o que faz e os guia aos resultados. E um líder é mesmo isso, um líder. Um bom líder faz com que a sua equipa seja simpática no seu todo, apesar de um ou outro mais antipático, eficaz no trabalho, apesar de um ou outro erro, e acima de tudo eficaz a preservar o nome da empresa, e passar essa mensagem à equipa. E o Jorge Teixeira faz isto quase na perfeição. Quase, porque ele próprio desgasta a imagem com pormenores que nada acrescentam. Enerva-se, com certeza terá alguma razão, defende a empresa como se fosse o próprio, mas a Runporto já tem uma dimensão que o Jorge Teixeira tem que deixar evoluir, não personalizando tanto as questões, que não passam de pormenores numa máquina afinada.

Numa empresa, as trocas de mensagens, têm sempre que fazer passar a imagem da empresa e nunca sentimentos ou estados de alma pessoais. Isso faço eu, aqui no meu blogue. Nas empresas, a comunicação tem de ser profissional. A Runporto organiza tão bem as suas provas que seria mais uma excelente demonstração de profissionalismo, fazer a comunicação com atletas por profissionais, e  deixar estas, digamos, “altercações”, para trás. Passar à frente, tentar resolver o problema, e se não houver como, pedir compreensão e não despoletar situações como a relatada pelo Leandro, ou como outras que se podem ler nos comentários, porque eu acredito que há tanta coisa boa na Runporto que não pode ser uma má estratégia de comunicação que a possa beliscar.

quarta-feira, setembro 04, 2013

Salomon Hydro Sense

 

Testar equipamento é das coisas mais gratificantes que nos podem pedir, a nós, corredores de pelotão, daqueles que o fecham, com a expectativa de vir daqui alguma conclusão a que ainda não tenha chegado a “fina flor” da equipa de desenvolvimento de produtos desta prestigiada marca. A Salomon faz desenvolvimento e teste de novos produtos com a sua equipa de atletas profissionais, que aferem as capacidades dos acessórios e equipamentos, e onde experimentam artigos que satisfaçam necessidades específicas de alguns deles, saindo daqui a gama S-Lab. No fundo, a gama S-Lab é um conjunto de produtos desenvolvidos para necessidades de atletas de topo. Nos “Laboratórios Salomon”, reúnem os atletas, experimentam soluções e propõem outras. É a gama mais desejada pelo atleta anónimo. Como dizia um amigo meu “fraco atleta, mas bem equipado”.
Podem ver neste pequeno filme, um resumo  de um destes “S-Lab”, onde foi testado este equipamento pela primeira vez.

 

salomonsense


Com a mochila Agile 12, enviaram-me também para testar, um par destas pegas que se adaptam facilmente à mão, que vem já com um cantil de cerca de 1/4 de litro de capacidade. Ora, quem me conhece e já treinou comigo, sabe que eu transpiro imenso, o que faz com que a minha necessidade de hidratação seja superior ao normal, e ainda para mais num verão como este, de calor acentuado. Fiz um primeiro teste, apenas com uma das pegas e respectivo “hydrapack”. O transporte é quase imperceptível, o peso mínimo, e nada incómodo, mas a quantidade apresentava-se insuficiente para as minhas necessidades. Como me tinham enviado um par, resolvi testa-lo. Coloquei nas duas uma garrafa de 0,20 cl, tendo resultado numa excelente descoberta de eficácia do produto. Rapidamente cheguei à conclusão que, nas maratonas, onde não prescindo de andar sempre com uma garrafa na mão para me ir hidratando, esta é a solução ideal, bem como para treinos até 2 horas, onde, até agora, no máximo levava uma garrafa pequena de água na mão, mas que se revelava quase sempre incómoda ao fim de algum tempo.
De realçar que a pega S-Lab Hydro Sense não aquece a mão, é adaptável a diversos tamanhos e volumes (até 500 ml), podendo assim responder às diversas necessidades. O transporte da hidratação torna-se simples e quase imperceptível, sendo uma excelente forma de a transportar nos treinos mais curtos.
Bons treinos!

quinta-feira, agosto 08, 2013

Ultra Trail Nocturno Lagoa de Óbidos 2013

 

UTNLO

- “Veja lá, enfiaram-nos no lodo da Lagoa, andámos por umas poças de água espalhadas por canaviais, isto depois de quase 9 km em areia, pelas dunas e arribas entre a Praia d’El Rey e a Foz do Arelho. Como se não bastasse, antes de chegarmos à subida final, enfiaram-nos dentro de um túnel, onde a água lamacenta das últimas chuvas, repousava à espera de novas enxurradas que a levem. Era mal cheirosa, claro, como mal cheirosos ficámos todos.”

- “Antes do fim como?”

- “No km final.”

- “Sois uma cambada de coninhas!”

Tunel_Obidos

Um bom resumo daquilo que leio por aí e que já discuti com alguns.
A mim sinceramente, o que me fica na memória, são os 51 kms em amena cavaqueira com o Meixedo, a paz que rodeia Óbidos durante a noite, os pescadores em silêncio, os coelhos a fugir, o céu estrelado, o cheiro a maresia nos kms de praia, a simpatia dos organizadores (que falham, como podem falhar todos os que se preocupam em fazer seja o que for) bem espelhada na figura do Jorge Serrazina com o Camel Back colocado, preparado para correr se fosse necessário, e a enorme alegria que sinto em me misturar num excelente ambiente que sempre são as provas de ultra trail. Sem esquecer claro, a excelente companhia do Natividade e da Naná na viagem ao Sul.

O resto, meus amigos, não passam de exaltações do que é o trail.

Deixemo-nos de “conices” (ou paneleirices, ou mesmo de merdas), no próximo ano estaremos lá de novo. A prova vale mesmo a pena.

sexta-feira, julho 19, 2013

Salomon Agile 12

Lembro-me bem de ter comprado a minha primeira mochila para Trail. Havia pouco tempo que corria em montanha, não teria feito mais que 2 treinos e uma prova de 17 km, e cometi a loucura de me inscrever na 1ª edição do Grande Trail Serra de Arga, e como fazia parte do material obrigatório, lá fui eu a uma loja da especialidade. Como um "burro que olha para um palácio", com ar de perdido perante tanta escolha, acabei por comprar uma qualquer de uma marca branca. Durou pouco. A bolsa de água rapidamente rebentou, não tinha apito, não era impermeável, nem era fácil o acesso aos diferentes bolsos, para, em prova, poder-me abastecer sem ter que a retirar. Depois dessa comprei mais duas. Uma, que tinha bidões de água em bolsas exteriores, mas que era desconfortável para transportar mais coisas (bastões ou roupa extra) e que não tinha bolsas exteriores, e outra ainda que se revelou um massacre para as minhas expostas clavículas. Somando os investimentos, gastei mais do que se tivesse comprado uma topo de gama.

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Há pouco mais de um mês, depois de seleccionado para "Field Tester" da Salomon, recebi uma mochila para testar, da gama Agile. Claro está que, achando-me ao nível do Killian como tester, tinha esperança de receber a gama S-Lab. Sou um apaixonado das mochilas Skin. Têm aquele ar minimalista, mas são do mais completo que existe. O preço, claro está, também é compatível, disparando para perto do dobro desta Agile 12, que não deixa de cumprir em bom plano as funções para que desejamos que sirva. Com uma boa capacidade, bem distribuída pela mochila, a sensação que tive nos mais de 200 km com ela, é a de que vamos sem todo aquele invólucro às costas. Fiz questão inclusive, de fazer todos os treinos na Freita, tal como a participação no UTSF, com os bastões acoplados e bem seguros, para saber se havia eventuais estorvos ou desconforto no transporte, ou da dificuldade de os segurar ou retirar e voltar a por no lugar. Impecável. Fiz treinos à chuva inclusive, em que nada que fosse dentro da mochila se tenha molhado. Tem, como muitos pretendemos, bolsas externas para colocar garrafas ou cantis, com "presilhas" para que não se soltem quando andámos mais rápido, ou mesmo quando atravessámos cursos de água, onde não é raro ver garrafas a boiar, perdidas por estarem soltas. Com todas as exigências requeridas, como apito e a já famosa bolsa de água da Salomon (PVC free), com um sistema de abertura simples, rápido e largo, para permitir um perfeito enchimento em prova, com compartimento dedicado, (para não termos de retirar toda a tralha para a voltar a guardar), e facilitar a limpeza. 
Na UTSF, adivinhando o calor, enchi a bolsa de água, coloquei dois cantis nas bolsas exteriores, perfazendo assim um total de quase 3 litros de água. Somando a isto as 4 sandes de presunto, 10 géis, 6 barras, corta-vento, uma t-shirt extra, bastões, estojo de primeiros socorros (nada de exagerado, apenas pastilhas anti-inflamatório, repelente insectos, protector solar, pensos para bolhas, vaselina, pensos protectores para os mamilos, pastilhas isotónico), telemóvel, 2 frontais, manta de sobrevivência e um par de meias extra… Ufa! Quando a levantei para sentir o peso, lembrei-me imediatamente da anedota do avião que tinha tantos extras, que os pilotos rezavam sempre para que descolassem e voassem com aquele lastro todo. Mas como qualquer bom amador, havia ali pouca coisa que pudesse prescindir. Aliás, sendo os líquidos o que mais pesava, seria burrice prescindir de algum. Fiz toda a prova sem que sentisse sequer tudo aquilo às costas. Os meus ombros não se queixaram, não havia compressão no esterno (que normalmente leva a má respiração), e tudo estava ali. Os 12 litros de capacidade não estavam esgotados, o que demonstra que podia ter feito a prova em autonomia total, sem mais acessórios.
Enfim, uma boa mochila, que superou as minhas expectativas, e que confirma, que, quem sabe, sabe. À semelhança das grandes marcas automóveis, que tentam abranger todo o mercado, apesar de começarem por fabricar topos de gama, e com eles ganharem notoriedade, também a Salomon se dedicou a encontrar uma solução acessível à grande maioria das bolsas. 
Soubesse o que sei hoje, e não tinha feito tantas experiências. Afinal, também as grandes marcas têm produtos para pequenas carteiras.
Boas corridas!