O Marco, primogénito dos 7 filhos do casal Pinho, corre desde que me lembro dele. No basquetebol primeiro e depois no futebol juvenil do Salgueiros não construiu grande historial, mas era dedicado, e assíduo nas equipas iniciais. Depois, e como todos somos julgados e lembrados pelos nossos piores momentos, “desistiu” do futebol com uma frase que ouvi e nunca mais esqueci: “O campo é demasiado comprido”, respondeu ao pai quando lhe perguntou porque não queria mais jogar.
Uns anos mais tarde, já depois da passagem militar obrigatória que voluntariamente fez nos Fuzileiros, voltou ao futebol, agora amador (dos que amam, já que nada mais justifica andar a levar pancada em campos pelados com “direito” a duche de água fria no fim) e por lá andou largos anos, alguns ora comigo na mesma equipa, ora com um ou outro dos 5 rapazes lá de casa. Até aos veteranos manteve a “carreira”. Em paralelo corria. Passado o trauma dos “campos compridos”, lembro-me que correu a primeira edição da S. Silvestre do Porto e algumas das mais antigas corridas populares do grande Porto, nunca excedendo os 21 km da já exigente meia-maratona. Estávamos no tempo em que corriam poucos, muito menos os que pouca corrida treinavam.
Fiz o primeiro treino exclusivo de corrida com ele, a poucos dias da minha primeira prova - os 7 km da Corrida do Homem e da Mulher, em 2009, que ligava a marginal de Leça a Matosinhos, prova que ele também correu. Depois disso, apenas uma ou outra meia maratona juntos, eventualmente apenas no início, já que ele sempre foi mais rápido que eu (e bastante mais leve). Aventurou-se numa primeira experiência de trail em 2013, na primeira edição do Paleozóico, mas não gostou da maioria das 8h que demorou a concluir aquela que seria a sua primeira experiência acima da distância maratona, e logo numa ultra. Uns anos mais tarde tentou a de estrada, no Porto, tendo vindo a concluir à segunda tentativa, disparando um “não tenho assim tanto tempo para correr, 2h bastam”, voltando assim por mais uns anos aos 21 km de limite.
Em Novembro último, e depois de muitos treinos por Valongo, voltou aos trilhos, no Trail Longo dos Amigos da Montanha. Inscreveu-se e foi sorteado para a Ultra dos Abutres, mas o covid pregou-lhe uma partida. Adiada a estreia anual para Santa Luzia, voltou aos longos e deixou a ultra, a sua segunda (terceira acima da distância maratona), para Domingo, nos 48 km do Melgaço Alvarinho Trail. Foi ao pódio receber o prémio do segundo lugar do seu escalão, e mais uma vez jurou para nunca mais. Não fossem os interregnos das juras tão longos, e já teria concluído mais algumas. O tirocínio de qualquer um de nós, conclui-se depois de percebermos que jurámos tanto para nunca mais, que vamos acumulando experiências fantásticas, que nos preenchem e nos levam da exaustão à descoberta das enormidades que conseguimos conquistar.
O texto vai longo e ainda só vos apresentei o Marco. Mas esta minha 99ª maratona, para além da feliz coincidência da companhia do meu irmão, começou e acabou com uma conversa com a Catarina Palmeiro, irmã do Rogério Palmeiro - beirão que todos nos habituamos a ver nas provas longas, com o Pedro Santos e Hélio Costa. A Catarina também correu a ultra. No início fomos uns km juntos, fizemos as apresentações do costume, disse que em era irmã, e contou-me que o Rogério está internado no Hospital da Universidade de Coimbra, para onde foi em estado grave após um acidente. Espera-o uma longa recuperação. Durante toda a prova não mais o infortúnio do Rogério me saiu do pensamento, e fui-me lembrando de tantos com quem corri nos últimos 12 anos, que entretanto por diversos motivos terão deixado de correr.
O Rogério espalha simpatia. Tem sempre um sorriso e uma palavra de incentivo com todos os que com ele partilham trilhos. É uma verdadeira máquina de dedicação ao trabalho, o que faz com que tenha sucesso nas empreitadas em que se vai metendo, maioritariamente com os também beirões e colegas do Boavista Trail, Pedro e Hélio. Tenho a certeza que vai “terminar” esta ultra que o destino traiçoeiramente lhe atravessou à frente, com o mesmo sorriso com que terminou qualquer outra corrida da sua vida.
Estaremos todos aqui a torcer pela sua rápida recuperação, prontos para o ajudar e apoiar.
Sou feliz a correr, mas sou muito mais feliz a correr com tantos outros que o fazem com abnegação, dedicação, trabalho e objetivos. Os meus são o modesto “chegar ao fim”, que é o que posso. Não adianta muito sonhar com o que é impossível e feito apenas de fantasia, é sempre preferível a realidade do alcançável. Mas sinceramente, nem nos meus mais rebuscados sonhos, alguma vez imaginei estar à porta de alcançar a 100ª maratona.
A pobreza de corredor que sou vs a arrogância de querer fazer sempre mais, são imensamente inferiores ao resultado megalómano que acabei por construir. E para aqui chegar foi preciso ter a sorte que a muitos vai faltando.
Vou meter os olhos num medo qualquer, e abraçar a 100ª.
99 provas: 34 de 3 dígitos - a maior, 300 km, 23 de “estrada” e as restantes entre os 43 e os 90 km. Tudo junto dá uma bela média de mais de 85 km.
8495 km.
Ser-se o que se pode é uma felicidade.